O termo biodiversidade se refere à diversidade das formas de vida. Diz respeito à diversidade de espécies na natureza e também à variabilidade genética que existe entre os indivíduos de uma mesma espécie. Graças a esta diversidade genética dentro da espécie, por exemplo, alguns indivíduos de uma espécie de planta podem ser resistentes a uma determinada praga que a ataca, e assim acabam evitando a extinção da espécie inteira. Essa situação ilustra a enorme importância que a diversidade tem para a natureza e para a vida.
A padronização de sementes promovida pela associação entre indústria química e agronegócio é uma força de destruição de biodiversidade, colocando produtores de alimentos em condição de dependência dos insumos fornecidos por grandes corporações e comprometendo a soberania alimentar.
A diversidade também existe na cultura. A profusão de diferentes modos de viver observados em todo o mundo é manifestação daquilo que chamamos de diversidade cultural. Há pessoas que gostam de viver em cidades, cercados de máquinas, informação e tecnologia, realizando uma infinidade de atividades em um único dia. Há pessoas que preferem viver em retiro, dedicando-se a estudos, a práticas corporais e espirituais, ao serviço comunitário. Há aqueles que vivem em sítios rurais, cuidando da terra e produzindo alimentos.
Certos povos vivem em regiões muito frias, encontram seu alimento em rios e mares que têm a superfície congelada e são capazes, pela observação dos diferentes tons de banco, de obter indícios sobre o clima, de encontrar locais favoráveis para a pesca, de reconhecer lugares onde é perigoso pisar. Outros povos vivem em florestas onde raramente faz frio, chove bastante e é possível caçar, pescar, cultivar a terra ou simplesmente coletar o alimento na mata.
Além de reconhecer a importância da multiplicidade das culturas, a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural estabelece um interessante paralelo entre essas duas formas de diversidade. Logo em seu primeiro artigo, afirma que “A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em beneficio das gerações presentes e futuras.” (UNESCO 2001, grifo nosso).
Existe também uma interessante conexão objetiva entre essas duas formas de diversidade. Devido às características de seus modos de vida, algumas comunidades de agricultores familiares, pescadores, povos indígenas e outros grupos tradicionais cultivam, de forma cooperativa com o ambiente, espécies que representam a biodiversidade regional.
Surge então o conceito de sociobiodiversidade. A forma de viver de certos grupos humanos contribui para fortalecer as espécies de seu meio, atuando como força de conservação da biodiversidade. Seu modo de vida beneficia não apenas o próprio grupo, mas a sociedade como um todo.

Foto: Sérgio Vale / Secom Acre
Há hoje políticas públicas que reconhecem o serviço de conservação da biodiversidade prestado por esses grupos, e assim fomentam tais cadeias produtivas. Como exemplo disso, dentro do Plano Safra deste ano há uma linha de crédito a juros baixos para o custeio da produção espécies da sociobiodiversidade.
A lista dos produtos incluídos nessa política forma um belo repertório de nomes. Alguns exemplos: abiu, araticum, araçá, aroeira-pimenteira, ariá, arumbeva, bacupari, bacuri, baru, biribá, buriti, butiá, cagaita, cajá, carnaúba, castanha-do-brasil, castanha-de-cutia, chichá, chicória-de-caboclo, copaíba, croá, cubiu, cupuaçu, fisalis, goiaba-serrana, jaborandi, jaracatiá, licuri, macaúba, mapati, murici, patauá, pajurá, peperômia, pitanga, pupunha, puxuri, sapota, sete-capotes, taperebá, tucumã, umari, uvaia, uxi.
Enquanto nos grandes centros urbanos, especialmente sudestinos, esses nomes soam apenas como uma forma de poesia, em algumas regiões do país eles são parte da vida. As crianças dali cresceram comendo essas frutas no pé, as geleias e refeições com essas espécies sempre estiveram no cotidiano dessas famílias. Elas são as guardiãs naturais e honorárias dessas plantas.
Ainda que a produção tenha como finalidade a geração de renda, e não apenas a subsistência, é possível fazer uso da natureza de maneira adequada. Isso obviamente só acontece se esses arranjos puderem garantir o respeito aos saberes tradicionais, a certos princípios e a limites na escala produtiva.
É estranho pensar que esse tipo de relação não predatória com a natureza seja hoje apenas excepcional dentro de nossa realidade econômica. O capitalismo desarticula esquemas que sempre funcionaram bem para impor seus meios técnicos de sugar riqueza. A desagregação de comunidades cria uma fonte inesgotável de problemas, e isso é ótimo para o sistema, que pode então vender suas soluções.
Ao fortalecer sistemas produtivos que valorizam práticas tradicionais, as políticas de apoio à sociobiodiversidade ao mesmo tempo protegem a biodiversidade e fortalecem identidades culturais. Ainda que representem uma parcela ínfima da economia nacional, elas servem para nos lembrar que é possível resistir à tendência de destruição das diversidades promovida pela economia capitalista.



























