Quando um produtor vende seus produtos diretamente a quem vai fazer uso deles, temos um caso de venda direta ao consumidor. Essa é a menor cadeia de distribuição possível, com apenas dois agentes: o produtor e o consumidor. Em algumas situações, existe um terceiro agente, como por exemplo um comerciante que compra diretamente do produtor e revende para os consumidores.
Nesses dois esquemas, temos aquilo que se denomina circuito curto. Nesse termo da economia, a palavra ‘curto’ diz respeito à quantidade de agentes econômicos. Assim, o circuito curto é definido como um circuito de distribuição no qual existe, no máximo, um intermediário entre produtor e consumidor.
Um conceito relacionado, porém claramente distinto, é o de alimentação local, que faz referência às curtas distâncias percorridas por um produto desde sua origem até o consumidor. Nos circuitos curtos, os produtos tendem a percorrer distâncias menores, mas não é isso que os define.
O circuito curto é a forma mais básica e tradicional de escoamento da produção. Feiras existem desde a antiguidade, e eram eventos na vida comunitária, podendo estar associadas a festividades religiosas. As feiras medievais são consideradas um marco do ressurgimento do comércio na Europa, após o isolamento que marcou o período do feudalismo. Nas feiras, mercadores ou os próprios produtores compareciam com produtos que poderiam vir de longe. Os consumidores, por sua vez, se organizavam para ir até esses eventos, que representavam a possibilidade de adquirir produtos que só poderiam ser encontrados ali. A ida de alguém a uma feira distante é um acontecimento, o qual é retratado nos versos destas músicas, duas brasileiras e uma inglesa: Feira de Santana (Tom Zé), O Pedido (Elomar) e Scarborough Fair (Simon & Garfunkel).
No que se refere à produção de alimentos, há várias possibilidades de circuitos curtos. Entre os casos de venda direta, podemos mencionar: sítios de portas abertas, que vendem sua produção no próprio local a quem quiser comprar; produtores que organizam e entregam (eles mesmos) suas cestas de produtos, seja sob demanda, seja com regularidade pré-estabelecida; feiras de produtores, nas quais os próprios agricultores comparecem com sua produção para vendê-la aos consumidores.

Foto: Zen Chung / Pexels
E há os esquemas com um único intermediário entre produtores e consumidores: um comerciante que compra de diversos produtores e vende esses alimentos em sua loja; um restaurante que adquire produtos in natura diretamente dos sítios e os serve preparados a seus clientes; um serviço de entrega que leva os alimentos do local de produção até os consumidores.
Um esquema convencional de distribuição pode ter muito mais agentes: um transportador de longa distância e cargas grandes, um distribuidor ou atacadista, um segundo transportador que leva os produtos até os pontos comerciais na cidade, o comércio varejista, um serviço de entregas domiciliares. No caso de comércio exterior, existe ainda o importador, que eventualmente desempenha a função de distribuidor, e também o transportador internacional.
O aumento do número de intermediários, sobretudo no século XX, se deve a diversos fatores. As cidades cresceram e os produtores foram se afastando dos centros consumidores. Ao mesmo tempo, o agronegócio produz em escala cada vez maior, em fazendas distantes das grandes áreas urbanas. O transporte em grandes quantidades passa a ser uma forma de diluir o custo decorrente das grandes distâncias, além de existir o interesse dos produtores intensivos em venderem em lotes cada vez maiores. Torna-se necessário um agente bastante capitalizado para receber essas cargas imensas e retalhá-las em quantidades menores, que estejam dentro da capacidade do pequeno e médio comércio varejista. Há também o surgimento das grandes corporações de varejo, que compram em grandes quantidades para abastecer suas redes de lojas padronizadas, espalhadas em muitas cidades. As feiras livres de hoje infelizmente não são exemplos de circuitos curtos, pois os feirantes geralmente se abastecem, com produtos que vêm de longe, nos enormes entrepostos de produtos agrícolas existentes em algumas cidades.
Se, por um lado, produção e transporte em larga escala contribuem para diminuir custos (lembrando que o capitalista pode simplesmente se apropriar dessa diminuição de custos, sem repassá-la ao consumidor), por outro, o aumento do número de intermediários eleva o preço final dos produtos. Além disso, esquemas convencionais de distribuição geram dependência e têm efeitos econômica e socialmente nocivos.
Em um sistema que funciona em larga escala, torna-se inviável a um pequeno comerciante comprar em quantidades menores, seja pelo custo do frete, seja porque grandes produtores simplesmente não vendem em pequenas quantidades. O comércio se torna dependente da intermediação de distribuidores e atacadistas, bem como das transportadoras que operam com cargas enormes. A proliferação das grandes redes varejistas acaba provocando o fechamento de estabelecimentos menores e locais. Esses pequenos comércios têm muitas vezes também um papel comunitário, para além de sua função econômica. São lugares em que as pessoas se conhecem, chegam a pé e podem conversar sobre assuntos do bairro e também sobre os produtos que estão comprando. O que fica no lugar são estabelecimentos enormes e impessoais, onde os clientes chegam de longe e de carro, entram e saem sem reconhecer ninguém.
Os circuitos curtos representam um resgate de arranjos mais simples e tradicionais, trazendo diversas vantagens para produtor e consumidor, os dois agentes essenciais de um sistema produtivo. Tendo no máximo um intermediário, os circuitos curtos tornam possível que os produtos cheguem aos consumidores a preços mais acessíveis, ao mesmo tempo em que os produtores podem receber um valor melhor por aquilo que produzem e em pagamentos imediatos, evitando a cadeia de faturas e prazos existente nos esquemas econômicos convencionais.
E as vantagens vão muito além da redução de custos. Possibilitando uma relação mais próxima entre produtor e consumidor, os circuitos curtos contribuem para formar e fortalecer vínculos sociais entre aqueles que cultivam os alimentos e aqueles que se nutrem com eles. Alimentação é um componente essencial da vida, é importante que a aquisição dos alimentos possa ser pautada por relações de confiança. Ainda que exista um intermediário, o circuito curto permite maior transparência quanto à procedência do alimento, tornando dispensável o uso de certificações e de embalagens bonitinhas feitas por designers profissionais para conquistar a confiança do consumidor.
Vínculos significativos também representam um aumento da segurança para os produtores. Estando mais próximos de seus clientes finais, produtores ficam mais resguardados contra flutuações inesperadas de demanda, muitas vezes causadas por decisões comerciais dos intermediários, resultantes de fatores macroeconômicos. Pessoas físicas sempre precisarão comer.
Esquemas convencionais de distribuição necessitam de mais embalagens, tanto para a proteção dos produtos no transporte e manuseio por diversos intermediários quanto para a criação de identidade mercadológica. Sendo assim, os circuitos curtos também representam menor produção de resíduos sólidos e menos agressão ao meio ambiente.
A organização da produção e distribuição de alimentos em circuitos curtos, tendo em conta também os princípios da alimentação local na escolha das distâncias percorridas poderia, por exemplo, levar à criação de conexões diretas entre os sítios produtivos das áreas periurbanas e os consumidores das regiões periféricas das aglomerações urbanas. Infelizmente, apesar de haver tanta demanda por alimentos saudáveis em áreas tão próximas à produção, os produtos orgânicos hoje acabam sendo direcionados a áreas mais abastadas da cidade, onde podem ser vendidos como produtos diferenciados a um valor de troca mais alto.
Sistemas produtivos convencionais são pensados visando apenas benefícios econômicos. Quando se trata de nutrição das pessoas e reprodução da vida, é importante lembrar que um sistema produtivo pode também ser estruturado para criar relações e vínculos significativos. Muito mais do que um princípio dogmático de organização, a proximidade física e social é um fator de fortalecimento comunitário, e cada vez mais precisamos disso.
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