Na língua latina, o verbo ‘comer’ se expressava pela forma edere (uma palavra proparoxítona, com o acento na antepenúltima sílaba). Esse verbo era usualmente acompanhado da preposição cum, que deu origem à nossa preposição ‘com’ e traz sentidos como estar junto, simultaneidade, acompanhamento, inclusão, concomitância, suporte, vínculo, estar entre, fazer parte.
Para se referir ao ato de comer, dizia-se cum edere: ‘comer com’, ‘comer acompanhado de’, ‘estar com [alguém] enquanto se come’, já que as pessoas geralmente faziam suas refeições acompanhadas de outras. A preposição era tão frequente no uso do verbo que, ao longo dos séculos, esse uso foi se cristalizando e a preposição passou a ser percebida como parte dessa forma linguística.
Primeiramente, a forma perde a sílaba pós-tônica, passando de cume(de)re a cumere. Ocorre então a perda da vogal final, e cumer(e) vira cumer. A primeira vogal se modifica e isso leva à forma portuguesa atual ‘comer’.

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Portanto, na origem latina, o nosso verbo ‘comer’ traz, de maneira implícita porém inseparável, a ideia de uma ação que se dá em coletividade. O ato de comer é um momento propício ao compartilhamento. É naturalmente uma celebração do fato de estarmos vivos, juntos e termos uma boa colheita que nos permite reproduzir a vida. Aqueles com quem dividimos a mesa são nossos comensais, são pessoas que ocupam um lugar importante em nosso dia a dia.
A ideia latina de ‘comer com’ faz parte de nossa herança linguística, muitas vezes sem que nos demos conta disso. Conhecer esse pequeno detalhe talvez nos ajude a lembrar de como o momento da refeição é tão essencial para a saúde de nossas relações como é para a saúde de nosso corpo. Em nossa língua, comer é, por definição, um ato de celebração da vida coletiva.