hortas comunitárias e hábitos alimentares

Uma pesquisa publicada em 2008 buscou aferir se existe relação entre o envolvimento das pessoas com hortas comunitárias e seus hábitos de alimentação, especificamente o consumo diário de frutas e verduras. Realizada em Flint, uma cidade estadunidense que em termos populacionais é comparável a Alfenas (MG) ou Vinhedo (SP), a pesquisa mediu o número médio de vezes ao dia que as pessoas consomem frutas e verduras e também a porcentagem de pessoas que consomem ao menos cinco porções desses alimentos in natura por dia, contemplando as recomendações das autoridades de saúde daquele país.

Entre os participantes da pesquisa, aqueles que têm ao menos um membro da família envolvido com horta comunitária consumiam frutas e verduras, em média, 4,4 vezes por dia, enquanto que quem não tem gente da família envolvida com essas iniciativas apresentou um consumo médio desses alimentos de 3,3 vezes por dia. No primeiro grupo, foi bem maior também o número de pessoas que consumiam ao menos cinco porções frutas e verduras por dia: 32,4%, comparado aos 17,8% entre as famílias sem envolvimento com hortas.

Ainda que a pesquisa assuma suas limitações metodológicas, afirmando que não é possível estabelecer relações de causalidade entre o trabalho em hortas comunitárias e os hábitos alimentares, os dados permitem reflexões interessantes sobre a relação das pessoas com os alimentos in natura.

O artigo apresenta uma discussão sobre as barreiras para o consumo de alimentos saudáveis. Há, em primeiro lugar, a questão da disponibilidade de alimentos frescos in natura, que é de fato um fator determinante. Localidades onde é difícil encontrar alimentos saudáveis, pois seus mercados oferecem apenas produtos industrializados, são consideradas desertos alimentares. De acordo com o artigo, esse é o caso da cidade de Flint. Importante lembrar que feiras livres não são comuns naquele país como são aqui no Brasil. Outros obstáculos apontados pelo artigo para o consumo de alimentos saudáveis seriam: os hábitos e a preferência pessoal, a qualidade do que está disponível, o custo de aquisição e o custo do transporte até o local de compra desses alimentos.

Nesses casos todos, uma horta comunitária local ajuda bastante, ao tornar possível obter alimentos naturais, pelo menos quando estão prontos para serem colhidos, a um custo baixo, que seria apenas o dos insumos para se manter a horta e do tempo alocado a esse trabalho.

Foto: Bárbara Zem

Podemos também acrescentar a dimensão relacional que se estabelece entre a pessoa e a planta por meio do envolvimento com o trabalho prático na horta. Essa vivência traz familiaridade e proximidade com esses alimentos, colocando-os dentro do universo cotidiano da pessoa. O trabalho com a horta proporciona um contato físico periódico com plantas alimentícias, o que não é pouca coisa se pensarmos que o contexto urbano oferece limitações tanto pelo cenário de concreto quanto pela rotina de vida que costuma impor. Para quem mora em apartamento, que é uma realidade para boa parte dos habitantes de grandes cidades, o cultivo de plantas alimentícias ou ornamentais é ainda mais difícil.

Para além de todos os aspectos sociais e ambientais associados a uma horta urbana, o envolvimento com iniciativas desse tipo torna possível que a pessoa tenha em sua vida, diariamente se quiser, importantes experiências dos sentidos: o cheiro das plantas, o toque na terra e nas folhas, a visão do campo verde produzindo vida, o som do vento passando pelas folhas e dos pássaros que habitam esses espaços naturais, o sabor da amostra de alimento beliscada do canteiro enquanto se trabalha.

É natural que toda essa relação afetiva com as plantas alimentícias na horta influencie os hábitos alimentares das pessoas. Além dos evidentes efeitos de fortalecimento comunitário, a convivência com vizinhos e colegas de horta reforça ainda mais a relação com os alimentos quando eles se transformam em assunto de conversas, objeto de curiosidade e fascínio, tema de novas pesquisas e explorações.

Segundo fontes citadas no artigo, foi demonstrado que o envolvimento com hortas escolares ajuda a formar nas crianças o gosto por alimentos in natura. Se as crianças forem envolvidas no trabalho nas hortas urbanas comunitárias, o potencial de criar hábitos alimentares saudáveis se multiplica para o futuro.

Hortas comunitárias têm um evidente papel na construção da autonomia e da segurança alimentar, ao mesmo tempo em que reforçam laços e fortalecem a solidariedade. Ao considerarmos seu potencial de influenciar hábitos alimentares, podemos expandir a ideia de cidade educadora também para o campo da saúde. Criam-se, assim, as bases para uma reconfiguração revolucionária dos sistemas alimentares e da própria paisagem urbana.

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