Sabemos que a educação precária é uma grande aliada do capital. Graças às deficiências educacionais em habilidades matemáticas bem simples, que qualquer pessoa com ensino fundamental completo deveria dominar, as empresas podem jogar com preços em seu benefício, sem que o consumidor se dê conta disso. A variação da quantidade de produto nas embalagens é uma estratégia eficaz dos fabricantes e varejistas para mascarar diferenças de preços.
Vejamos o caso real de um sabão em pó oferecido em dois tamanhos diferentes. A embalagem de 800g custa R$ 5,49. Existe também uma embalagem dita econômica, com 2,4kg, vendida a R$ 17,90. Acostumado a pensar que em quantidades maiores os produtos saem mais em conta, e influenciado pela palavra ‘econômica’ impressa na embalagem, o consumidor não hesita. Aproveita para reforçar o estoque da casa e escolhe a embalagem de 2,4kg. Mal sabe ele que está pagando mais caro ao fazer essa opção. Se levasse três embalagens de 800g, pagaria menos pela mesma quantidade de produto.

Foto: Dionizio Bueno, março/2021
Mesmo nesse raro caso em que o peso da embalagem maior é um múltiplo da embalagem menor (geralmente não são, exatamente para dificultar comparações), esse consumidor nem pensou em multiplicar o preço da embalagem menor por três. Se as pessoas fizessem isso, ninguém jamais levaria a embalagem maior com esses preços. Mas levam. O gerente acompanha diariamente as vendas, podendo fazer pequenos reajustes nos preços quando achar necessário. Existe entre os consumidores uma crença segundo a qual “em quantidades maiores os produtos são mais baratos”. O gerente se aproveita da fé do consumidor nessa crença e coloca esses preços de propósito.
A forma mais garantida de comparar preços é calcular o preço por unidade. Sabão em pó é quantificado por peso, portanto a unidade é o quilograma. Para fazer isso, basta dividir o preço de cada embalagem pela quantidade de quilogramas existente nela. Na embalagem menor há 0,8kg, então dividimos seu preço (R$ 5,49) por 0,8 e obtemos R$ 6,86 por quilograma. Dividimos então o preço da embalagem maior (R$ 17,90) pela quantidade de quilogramas que há nela (2,4), obtendo o valor de R$ 7,46 por quilograma. Fica claro que o produto sai mais caro na embalagem maior. Tendo os preços por quilograma, podemos compará-los, e descobriremos que na embalagem maior o sabão fica 8,7% mais caro.
Três fatores facilitam bastante o uso dessas técnicas pelas empresas.
Primeiro, muitas pessoas não têm o conhecimento matemático para fazer essa conta. Apesar de ser uma operação matemática bastante simples para quem dispõe de uma calculadora – e hoje, com os smartphones, qualquer pessoa tem o tempo todo uma calculadora no bolso – essa operação é ignorada por grande parte da população. Não me lembro de problemas matemáticos desse tipo em meu tempo de escola, e me parece que continua não fazendo parte dos conteúdos escolares atualmente.
Segundo, grande parte daqueles que têm tal conhecimento – e uma calculadora no bolso – abre mão de fazer essa conta, seja por pressa, por preguiça, por sua excessiva confiança nas empresas, por acreditar que sabe a resposta sem fazer a conta, ou talvez até por achar que seria mesquinharia, coisa de quem está precisando, e isso não pega bem socialmente. Pare por dez minutos junto à gôndola de algum supermercado e observe quantas pessoas fazem alguma conta na calculadora enquanto comparam os preços. Provavelmente não verá nenhuma.
E o terceiro fator é a falta de efetividade de uma lei que, se estivéssemos em um país sério, poderia compensar os dois fatores anteriores. Já existe uma lei que obriga os estabelecimentos varejistas a exibirem nas gôndolas, além dos preços unitários de cada embalagem, o preço por unidade do produto: preço por quilograma para produtos quantificados por peso, preço por litro para produtos medidos em volume, preço por metro para produtos que variam em comprimento. Porém, como não está regulamentada, essa lei não tem efeito.
Sem essa lei e sem a iniciativa dos consumidores em fazer cálculos e comparar, são vários os truques usados pelos fabricantes e estabelecimentos comerciais, que costumam articular em parceria as políticas de preços ao consumidor. Os truques funcionam muito bem.
Há fabricantes de pão de forma industrializado que colocam todas as opções do produto a um mesmo preço, variando apenas a quantidade na embalagem. As embalagens dos pães mais simples contêm 500g e, conforme aumenta a “sofisticação” do produto, o peso diminui: 450g, 380g e assim por diante. A maioria dos consumidores ignora que, sendo iguais os preços unitários, o pão de 380g sai 31,6% mais caro que o pão de 500g. É evidente que há diferenças qualitativas entre os dois produtos, mas só conhecendo a diferença no preço por quilograma é que o consumidor pode decidir livremente, segundo seus próprios critérios, se a compra do produto mais caro se justifica.
Um varejista oferece manteiga vegana colocando em destaque que o preço do pote é exatamente o mesmo da concorrente convencional ao lado. Manteiga é um produto que costuma ser vendido em potes de 200g (ainda que haja também opções de potes maiores). Isso é tão comum que talvez muitos não percebam que o pote daquela manteiga diferenciada tem apenas 170g.

Foto: Dionizio Bueno, julho/2021
A embalagem é cuidadosamente projetada com dimensões semelhantes às das marcas concorrentes, com o mesmo diâmetro na parte superior e na tampa, apenas ligeiramente reduzida apenas na parte inferior. Quem nota a diferença de quantidade sabe que ela sai mais caro. Porém, quanto mais cara é essa manteiga? Se a lei fosse efetiva, o consumidor veria na etiqueta de gôndola que a manteiga vegana é vendida a R$ 76,35 o quilograma, enquanto a manteiga concorrente custa R$ 64,90 o quilograma. O preço da vegana é 17,6% maior que o da convencional ao lado.
Certos frigoríficos com lojas de varejo próprias dimensionam suas embalagens sempre com 900g do produto. O consumidor está acostumado a comprar carne e linguiça a granel pensando em seu preço por quilo. Ao entrar nessas lojas, tem na memória como referência o preço por quilo dos açougues e mercados que frequenta. Muitos consumidores talvez achem que é pouca diferença, ou talvez nem percebam que ali tem menos de um quilo. Se uma embalagem dessa custar o mesmo preço que um quilo da mesma carne no açougue em frente, o produto estará 11,1% mais caro nesta embalagem.
Ovos são tradicionalmente vendidos em dúzias. Há também opções de embalagens maiores (por exemplo, com 30 ovos) e menores (por exemplo, com meia dúzia), mas a dúzia é, na cultura brasileira, uma quantidade padrão de ovos, praticamente uma unidade de medida para ovos. Ao fazer listas de compras, raramente se especifica a quantidade unitária de ovos, geralmente escrevemos quantas dúzias pretendemos trazer do mercado.
Eis que surgem variedades diferenciadas: ovos caipiras, ovos orgânicos, ovos de galinhas livres. Por serem tidas como de maior qualidade, essas variedades são vendidas a valores mais altos. Se essa diferença de preços puder ser disfarçada, isso tende a reduzir a resistência do consumidor, que tem diversas opções à sua disposição logo ao lado, na gôndola. A solução para evitar um preço ostensivamente maior é diminuir a quantidade de produto por embalagem.
Cria-se a dúzia de dez. As embalagens são cuidadosamente projetadas para terem o mesmo tamanho externo daquelas que trazem doze ovos, para que o consumidor só perceba a diferença de quantidade se ler as letras miúdas ou contar os ovos. E mesmo entre aqueles que só consomem esses ovos diferenciados, quase sempre vendidos em embalagens com dez unidades, muitos continuarão anotando em dúzias as quantidades de ovos em suas listas de compras.
Para resistir contra as artimanhas que o mercado cria para enganar consumidores, é importante conhecer suas táticas. É necessário também compartilhar esse conhecimento. Adote o hábito de calcular o preço por unidade. Usar a calculadora diante da gôndola é um gesto de quem tem domínio das próprias escolhas, não uma vergonha. Ao comparar ostensivamente os preços por unidade de medida, comentando os valores com quem está próximo, você contribui para difundir uma postura crítica entre consumidores.
A conta é simples, muita gente pode adotar esse hábito, principalmente enquanto a lei brasileira não for efetiva para obrigar a exibição do preço por unidade nas gôndolas, como já acontece em muitos países civilizados.
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