direitos dos camponeses

Declarações universais da Organização das Nações Unidas (ONU) têm o propósito de estabelecer direitos fundamentais, orientar países na formulação de suas leis e servir de inspiração e referência em lutas e debates, em todo o planeta, sobre os temas de que tratam.

Em dezembro de 2018, sua Assembleia Geral aprovou, por meio de uma resolução, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses (abreviada como UNDROP, seguindo o nome em inglês). O documento tem 28 artigos que tratam de assuntos essenciais como direito à terra, às sementes, à biodiversidade, à soberania alimentar, à justiça e à água, entre outros.

Infelizmente, as resoluções da Assembleia Geral não são vinculativas, isto é, não têm força imperativa para os Estados membros. Se tudo que está lá afirmado fosse de cumprimento obrigatório pelos países, certamente os camponeses de todo o mundo viveriam uma realidade bem diferente.

Em 2002, durante uma conferência regional, a organização camponesa internacional Via Campesina formulou sua Declaração dos Direitos das Camponesas e Camponeses, a qual foi lançada e adotada oficialmente em 2009. Esse documento mais tarde serviria de inspiração para a UNDROP.

Dentro da ONU, a elaboração iniciou no Conselho de Direitos Humanos, por incidência da Bolívia. Uma primeira versão do documento foi aprovada pelo Conselho em 28 de setembro de 2018, contando com 33 votos a favor, 3 votos contra (Austrália, Hungria e Reino Unido) e 11 abstenções (o Brasil entre elas).

Em seguida, o texto passou pelo Terceiro Comitê da Assembleia Geral, o qual lida com questões sociais e humanitárias. Foi aí aprovado em 19 de novembro do mesmo ano, com 119 votos a favor, 7 votos contra (Austrália, Estados Unidos, Hungria, Israel, Nova Zelândia, Reino Unido e Suécia) e 49 abstenções (o Brasil novamente entre elas).

Finalmente, o texto da Declaração seguiu para a Assembleia Geral, onde foi aprovado, em 17 de dezembro, com 121 votos a favor, 8 votos contra (todos que se opuseram no Terceiro Comitê mais a Guatemala) e 54 abstenções (o Brasil, mais uma vez, neste grupo). Desconhecemos a justificativa do Brasil para as abstenções nas três etapas, mas sabe-se que em contextos como esse a abstenção é uma forma de negar apoio à causa sem que isso represente um grande comprometimento perante a opinião pública. É importante ter em mente o momento político no qual o país se encontrava nessa época.

Esse estilo de declaração começa por elencar os princípios e noções gerais que norteiam sua elaboração. Assim, em seu preâmbulo, a UNDROP reconhece a especial relação dos camponeses com a terra, a água e a natureza, elementos dos quais dependem para sua subsistência. Reconhece também sua contribuição para a conservação da biodiversidade, que constitui a base da produção alimentar e agrícola em todo o mundo, assim como seu papel essencial na garantia dos direitos à alimentação adequada e à segurança alimentar.

Entre os documentos que lhe serviram de embasamento, faz referência à Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979) e à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), entre muitos outros.

Em seu primeiro artigo, apresenta uma interessante definição de camponês: “qualquer pessoa que se dedique ou pretenda dedicar-se, individualmente, em associação ou como comunidade, à produção agrícola em pequena escala para subsistência ou comércio, que para este efeito dependa em grande parte, embora não necessariamente de forma exclusiva, do trabalho de membros da sua família ou agregado familiar, ou de outras formas não monetárias de organização do trabalho, e que tenha um vínculo especial de dependência ou ligação com a terra” (Artigo 1.1.). Assim, são excluídos da definição os empreendimentos agrícolas baseados exclusivamente em relações de trabalho capitalistas. O termo camponês seria então equivalente ao que chamamos de agricultor familiar.

Imagem: Reprodução de Déclaration des Nations Unies sur les Droits des paysan·ne·s et Autres Personnes Travaillant dans les Zones Rurales – livret d’illustrations. La Via Campesina, 2020.

A partir dessa definição, desenha-se para os camponeses um cenário que, se fosse concretizado, seria um verdadeiro mundo dos sonhos. Seguem alguns destaques e comentários sobre as perspectivas oferecidas pela Declaração. Como não há uma versão em português desse documento no repositório oficial da ONU, os trechos citados aqui são traduções nossas a partir das versões em espanhol e em inglês.

O parágrafo sobre produtos tóxicos, se efetivo, garantiria a camponeses e camponesas não apenas a opção de não utilizarem veneno como também a possibilidade de não estarem sujeitos às suas consequências. “Os camponeses e outras pessoas que trabalham em zonas rurais têm o direito de não utilizar nem de estar expostos a substâncias perigosas ou produtos químicos tóxicos, tais como agrotóxicos ou poluentes agrícolas ou industriais” (Artigo 14.2.).

As correntes de vento transportam substâncias jogadas na atmosfera, podendo trazer o veneno utilizado em fazendas vizinhas para a roça de alguém que optou por não utilizar esses produtos e contaminando sua produção, sua terra e seus trabalhadores. Os agrotóxicos têm também o efeito de dizimar populações de abelhas, comprometendo o sistema natural de polinização das plantas, o que caracteriza séria agressão ao meio ambiente e à biodiversidade, cuja proteção é abordada em outros pontos da Declaração.

Devido ao alcance dos impactos maléficos dessas substâncias, decisões individuais dos produtores não lhes garantem a possibilidade de estarem protegidos delas. Portanto, a menos que o uso de veneno seja proibido em caráter nacional ou ao menos regional, esse direito dificilmente será garantido.

A Declaração entende que o direito à soberania alimentar passa pela possibilidade de se participar das decisões sobre as políticas que afetam a forma como os alimentos são produzidos e distribuídos. “Os camponeses e outros trabalhadores rurais têm o direito de determinar seus próprios sistemas agroalimentares, o que é reconhecido por muitos Estados e regiões como o direito à soberania alimentar. Isso inclui o direito de participar dos processos de tomada de decisão relativos às políticas agroalimentares e o direito a alimentos saudáveis ​​e adequados, produzidos através de métodos ecológicos e sustentáveis que respeitem suas culturas” (Artigo 15.4.).

Para a construção de um sistema alimentar justo e saudável, é essencial a presença da sociedade civil nas instâncias participativas existentes. Ao mesmo tempo, é importante fortalecer iniciativas que representem alternativas concretas ao sistema alimentar vigente, controlado por interesses corporativos.

Há na Declaração um único parágrafo que, sozinho, evitaria conflitos atualmente em curso em diversas partes do mundo, caso fosse efetivo. “Os camponeses e outras pessoas que trabalham em zonas rurais têm o direito de serem protegidos contra qualquer deslocamento arbitrário e ilegal que os remova das suas terras, do seu local de residência habitual ou de outros recursos naturais que utilizam nas suas atividades e de que necessitam para usufruir de condições de vida adequadas. (…) Os Estados devem proibir os despejos arbitrários e ilegais, a destruição de zonas agrícolas e o confisco ou a expropriação de terras e outros recursos naturais, em particular quando usados como medida punitiva ou como meio ou método de guerra” (Artigo 17.4.). Uma rápida olhada para a profusão de conflitos em andamento hoje no mundo mostra como isto está longe de se concretizar.

O parágrafo que trata da reforma agrária é, curiosamente, o único em que a sentença inicia de modo condicional. “Quando apropriado, os Estados devem tomar as medidas adequadas para implementar reformas agrárias a fim de facilitar o acesso amplo e equitativo à terra e a outros recursos naturais necessários para garantir que os camponeses e demais trabalhadores rurais desfrutem de condições de vida adequadas e para limitar a concentração e o controle excessivos da terra, levando em consideração sua função social. Os camponeses sem-terra, os jovens, os pescadores artesanais e outros trabalhadores rurais devem ter prioridade na distribuição de terras públicas, áreas de pesca e florestas” (Artigo 17.6., grifo nosso).

É interessante observar como a Declaração dos Direitos das Camponesas e Camponeses, da Via Campesina, adota uma posição bem mais assertiva sobre o tema. “Grandes propriedades rurais não devem ser permitidas. A terra deve cumprir sua função social. Limites de posse de terra devem ser aplicados quando necessário para garantir o acesso equitativo à terra” (Artigo IV.11., grifo nosso). Por mais que a ONU tenha um papel importante no reconhecimento internacional dos direitos de grupos vulneráveis em todo o mundo, este caso exemplifica como ela é também capaz de barrar afirmações que os grupos dominantes de seus países membros considerem excessivas.

De qualquer forma, o conjunto de direitos apresentado pela Declaração representa um grande avanço em relação às condições objetivas enfrentadas por camponesas e camponeses em todo o mundo. A partir daí, existe o caminho para a efetivação desses direitos, por meio dos processos internos de cada país.

No Brasil, muitos dos direitos afirmados na Declaração já aparecem, de alguma forma, em marcos legais. Porém, a realidade das camponesas e camponeses daqui está muito longe do sonho desenhado pelo documento. Uma das demonstrações mais emblemáticas dessa precariedade é o fato de muitas áreas rurais apresentarem índices de insegurança alimentar maiores que áreas urbanas, mesmo estando seus habitantes diretamente em contato com a terra que produz – ou deveria produzir – alimentos.

A Declaração atribui aos Estados nacionais o papel de implementar e garantir os direitos nela estabelecidos. “Os Estados devem respeitar, proteger e cumprir os direitos dos camponeses e de outras pessoas que trabalham em zonas rurais. Devem prontamente tomar medidas legislativas, administrativas e outras cabíveis para alcançar progressivamente a plena realização dos direitos enunciados na presente Declaração que não possam ser imediatamente garantidos” (Artigo 2.1.). De fato, é ingenuidade esperar que tais iniciativas venham de poderes privados, como latifundiários e corporações, justamente aqueles que vêm historicamente se beneficiando da inexistência, na prática e muitas vezes também na teoria, desses direitos.

Portanto, declarações como esta servem como lembretes da importância de Estados fortes e com amplo apoio popular, capazes de resistir à infiltração dos interesses privados no aparelho estatal, de forma que possam concretizar direitos já reconhecidos como universais.

novas projeções do agronegócio

Já falamos neste blogue sobre o relatório Projeções do Agronegócio, publicado anualmente pelo Ministério da Agricultura e Pecuária. Trata-se de um entre muitos estudos que olham para a agricultura quase que exclusivamente sob a perspectiva dos negócios e do mercado. Em certos trechos do documento, a produção de alimentos parece ser abordada como um mero subproduto desejável da atividade agrícola.

Voltamos agora a esse documento com uma perspectiva comparativa entre o último relatório publicado até a presente data (Projeções do Agronegócio 2022/23 a 2032/33) e o relatório anteriormente analisado aqui (Projeções do Agronegócio 2020/21 a 2030/31). A partir daqui, vamos nos referir ao documento de 2020/2021 como ‘relatório anterior’, ainda que ele não seja o imediatamente anterior (houve também relatório em 2021/2022).

Daqui a dez anos, o arroz terá menos da metade da área de cultivo que tem hoje: passa dos 1.469 mil hectares no ano safra 2022/2023 para 489 mil hectares em 2032/2033, uma perda de 66,7%. No caso do feijão, a perda estimada é menor mas, ainda assim, é de mais de um terço: dos 2.742 mil hectares dedicados a essa cultura em 2022/2023, passará a ter 1.749 mil hectares em 2032/2033, portanto perdendo 36,2% da área que tem hoje.

No relatório anterior, as perdas de áreas de cultivo de arroz e feijão projetadas para os dez anos seguintes eram, respectivamente, de 62% e 36,9%. Assim, no caso do arroz, o relatório 2022/2023 aponta para um aumento de velocidade na perda de território. No caso do feijão, a velocidade da perda de território projetada agora é ligeiramente menor do que aquela projetada no relatório de dois anos atrás.

Enquanto isso, os produtos agrícolas para o mercado devem seguir crescendo. Dos 21.975 mil hectares de cultivo que tem hoje, o milho deve expandir sua área em 17,1%, atingindo uma área de 25.732 mil hectares em 2032/2033. E a soja passará em dez anos de 43.834 mil hectares hoje para 55.881 mil hectares, um crescimento de 27,5% ou, em valor absoluto, de 12 milhões de hectares, a lavoura que mais deve expandir sua área nesse período.

O relatório 2020/2021 projetava ganhos menores: 10,6% e 26,9% para as áreas de cultivo de milho e soja, respectivamente. Portanto, os dados levados em consideração nos cálculos mais recentes apontam para esse aumento de velocidade na expansão desses dois cultivos. O aumento é proporcionalmente maior no caso do milho.

Área Plantada com 5 principais grãos – Brasil (mil hectares). Fonte: Projeções do Agronegócio 2022/2023 a 2032/2033. CLIQUE PARA AMPLIAR

A desigualdade entre as áreas de cultivo de alimentos e de commodities projetadas para 2032/2033 é também assustadora. Daqui dez anos, a soma das áreas dedicadas apenas às duas commodities aqui analisadas será de 81.613 mil hectares, um valor 36 vezes maior que a soma das áreas de cultivo dos dois principais alimentos dos brasileiros, que será de 2.238 mil hectares.

A visão dos dois relatórios também permite comparar as projeções de área cultivada apresentadas há dois anos para o ano safra 2022/2023 com aquilo que efetivamente se concretizou.

O arroz tinha, no relatório anterior, uma projeção de 1.419 mil hectares para o ano safra 2022/2023, sendo que tivemos de fato 1.469 mil hectares, uma área 3,5% maior do que a projetada. Para o feijão, estavam projetados 2.640 mil hectares em 2022/2023, sendo que a área neste ano safra foi de 2.742 mil hectares, portanto 3,9% maior do que a projetada. No caso do milho, tivemos em 2022/2023 uma área de 21.975 mil hectares, 8,5% maior que a projeção de 20.262 mil hectares do relatório anterior. E a soja teve uma área de 43.834 mil hectares contra os 40.789 mil hectares projetados: área realizada 7,5% maior do que a área estimada na projeção.

Essas comparações mostram dois fatos evidentes. Primeiro, as projeções do documento de 2020/2021 estavam subestimadas para os quatro cultivos analisados. E segundo, a diferença para mais do realizado em relação às projeções foi maior no caso das commodities do que no caso dos alimentos. Se esta tendência se manifestar também nos dez anos contados a partir de agora, podemos esperar que a desigualdade entre as áreas dedicadas aos cultivos de commodities e de alimentos será, lá na frente, ainda maior do que os números agora projetados para 2032/2033 antecipam.

O relatório Projeções do Agronegócio traz também dados, projeções e análises referentes a produção, consumo e exportação dos principais produtos agrícolas brasileiros. Nesta matéria, focamos na área plantada pois este é o indicador mais diretamente conectado à luta pela terra em nosso país. Sigamos firmes.

Irmã Alberta

Durante um encontro na Comuna da Terra Irmã Alberta, no qual aproximadamente 40 ciclistas levaram seu apoio à resistência desse acampamento do MST contra uma ordem de despejo, a agricultora e líder comunitária Maria Alves deu este breve relato sobre a vida e a atuação de Irmã Alberta, freira italiana falecida em 2018 e homenageada de diversas formas ainda em vida. O relato foi complementado posteriormente pela própria agricultora.

Irmã Alberta veio da Itália, da cidade de Veneza, ela veio muito jovem para o Brasil. Assumiu essa luta com o povo da terra e já entrou na Comissão Pastoral da Terra para atuar na região do Araguaia. Lá já tinha o histórico antigo das lutas e dos crimes do latifúndio, assassinatos de Chico Mendes e de outros sindicalistas. Havia um pessoal naquele momento defendendo os seringais, defendendo o sindicato dos seringueiros, Irmã Alberta esteve com eles.

Mas aí um dos padres que estavam junto nessa equipe foi assassinado. Vocês sabem também do assassinato de Irmã Dorothy, tudo na mesma região. Vocês sabem da perseguição a Dom Pedro Casaldáliga, que teve uma atuação muito importante em defesa dos indígenas e também das famílias sem terra contra os jagunços de fazendeiros, contra os crimes do latifúndio. Então, como também estava ameaçada, a Irmã Alberta veio para São Paulo com a missão de ajudar um pouco o pessoal em situação de rua.

Ali na região do Brás, foi criada uma entidade, onde se juntavam os profissionais de saúde, alguns profissionais que iam fazer trabalho voluntário. Se juntavam também pessoas da igreja e o pessoal do Rede Rua, ali junto com o Alderon [Costa]. Eles faziam um trabalho de encaminhamento, triagem, questão de documento para aquelas pessoas, davam alimento. Eles foram ficando em torno dessa entidade, e esse trabalho foi crescendo. Algumas pessoas eram soropositivas, isso estava muito em alta na época, década de 1990, ali por aqueles anos.

Então a Irmã Alberta trabalhou nessas equipes, cuidando do pessoal. Aí quando viram que tinha um contingente bom de pessoas, com condições de trabalhar e gerar sua própria renda, de tirar o seu próprio sustento, eles decidiram chamar o Movimento dos Sem Terra, que veio para dar um auxílio no que se refere a organização, para escolher algumas áreas próximas à grande metrópole e fazer ocupação para essas pessoas trabalharem, gerarem renda e viverem dignamente. A gente encontra Irmã Alberta no final da década de 1990.

O primeiro espaço ocupado, a primeira fazenda foi lá em Franco da Rocha. Lá virou assentamento, é um assentamento do ITESP [(Dom Tomás Balduíno)]. Um ano depois foi feita a ocupação aqui, e a gente está até hoje nessa luta. E teve uma outra ocupação na Grande São Paulo, lá em Cajamar, que é o Dom Pedro Casaldáliga, um assentamento do INCRA. Este acampamento aqui recebeu o nome dela, Comuna da Terra Irmã Alberta. Foi feita essa homenagem a ela porque ela já estava atuando, caminhando junto com o MST em vários estados do Brasil.

Foto: Dionizio Bueno, julho/2023

Mas a Irmã Alberta ajudou não só as pessoas do Movimento dos Sem Terra, do movimento rural, dos movimentos sociais rurais. Ela também ajudou muita gente, ela foi da Pastoral Carcerária, ela foi dos Direitos Humanos, ela era uma freira militante. Andava de hábito, e tudo mais. Estava na igreja, mas quando alguém dizia assim, “Precisa da senhora, Irmã Alberta, para mediar um conflito, para ajudar as famílias, para ajudar num momento tenso de despejo, numa negociação na Secretaria de Justiça, no Gabinete”, ela ia. Esses parlamentares respeitavam muito ela. Ela fazia uma fala segura, era uma mulher que tinha conhecimento das coisas.

A Irmã Alberta foi homenageada porque a gente achou justo. Ela era da tua altura [aponta para uma moça de baixa estatura que escuta o relato]. Ela até dizia assim: “Mas eu não morrri ainda!” [pronuncia um ‘R’ forte, imitando sotaque italiano, provocando risos]. Foi homenageada em vida mesmo. Ela morreu com 97 anos. Deixou um legado e um exemplo que a gente não pode esquecer.

Então eu estou trazendo aqui só um pouquinho da história de Irmã Alberta. Ela era uma ameaça. Mesmo daquele tamanhozinho, ela ficava entre aqueles policiais enormes assim. Aí, quando as famílias precisavam de uma palavra, ela dizia, “Deixa eu conversar com o meu pessoal”. Porque a polícia fecha os portões e não deixa ninguém entrar. Mas ela, eles liberavam. Então a Irmã Alberta, ao mesmo tempo que ela era a delicadeza em pessoa, o amor em pessoa, ela era uma ameaça. Gente, as pessoas às vezes viram ameaça mesmo, né?

Ela caminhou muito junto do nosso lado, fazendo a sua tarefa, cumprindo a sua missão de freira que está numa pastoral como a Pastoral da Terra. Em todos os momentos que a Comuna da Terra Irmã Alberta precisou se mobilizar, se manifestar, Irmã Alberta estava junto conosco. Ela era de visitar as famílias, era de conversar com as famílias, era de estar sempre trazendo a mensagem. A gente precisa nunca esquecer dessa força, desse legado, desse exemplo de mulher religiosa, porém com posições políticas muito acertadas, nos momentos certos, naquilo que a gente precisava. A gente tem aqui uma satisfação imensa de ter tido ela caminhando com a gente.

No momento em que ela já estava bastante debilitada, com a saúde precária, ela teve todo o apoio, todo o conforto, toda a assistência que a gente podia dar, e que demos. Ela morreu com 97 anos, de uma vida inteira de muito trabalho, de muita resistência também. Viveu longe dos seus familiares, longe do seu país.

E eu sempre digo: vida merecida, de 97 anos. Ela viveu para servir! Ela esteve aqui para nos ajudar. E ela vai continuar influenciando sempre na nossa luta, abençoando sempre a nossa luta.

(Relato registrado em 16 de setembro de 2023, com informações complementares da própria autora.)