banco de alimentos

Todos os dias, centenas de quilos de produtos alimentícios saem do Banco de Alimentos da Prefeitura de São Paulo, tendo como destino diversas entidades assistenciais, espalhadas por toda a cidade. Essas entidades vão repassá-los a famílias em situação de insegurança alimentar. Nos últimos seis meses (de abril a setembro de 2022), o Banco de Alimentos distribuiu, em média, 30,8 toneladas de alimentos por mês.

Os gêneros que chegam ao Banco de Alimentos vêm de três origens: doados por empresas parceiras (distribuidores, redes de varejo, indústrias), adquiridos da agricultura familiar e arrecadados pelo Programa Municipal de Combate ao Desperdício e à Perda de Alimentos, que coleta, nas feiras livres e mercados municipais da cidade, alimentos já fora dos padrões de comercialização mas que se encontram em perfeitas condições de consumo. No caso das doações de empresas parceiras, trata-se de produtos com pequenas avarias nas embalagens ou próximos à data do vencimento.

“Existem manuais que orientam sobre quando se pode destinar alimentos com danos na embalagem. Nós treinamos nossos funcionários para fazerem essa triagem”, diz Luíza Araújo, nutricionista responsável pelo programa. “Quando recebemos produtos muito próximos ao vencimento, nós acionamos entidades que produzem um grande número de refeições e as entregam prontas às famílias, de forma a garantir que esses alimentos serão consumidos ainda dentro do vencimento. No caso das entidades que distribuem sacolas de produtos fechados para as famílias, encaminhamos produtos que estão menos perto do vencimento”. Após uma avaliação inicial e triagem, são feitas correções nas embalagens ou, caso estejam muito danificadas, os produtos são transferidos de embalagem. Estas recebem uma nova etiqueta, com as informações necessárias sobre o produto.

O Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (Cresan) da Vila Maria, onde funciona o Banco de Alimentos da Prefeitura de São Paulo. Foto: Dionizio Bueno.

Atualmente, há 410 entidades cadastradas para receber os produtos. Existe um esquema rotativo que garante a cada entidade que, quando for sua vez de receber alimentos, haverá quantidade suficiente para atender todos os seus beneficiários. É importante também que haja um bom aproveitamento do transporte que a entidade envia ao Banco, localizado na Vila Maria, zona norte, para receber os produtos. De um modo geral, cada carga tem 300 quilos de alimentos ou mais.

De acordo com os balanços mensais do programa, que são publicados no Diário Oficial e ficam disponíveis no portal da Prefeitura, ultimamente o Banco tem atendido cerca de 70 entidades a cada mês, o que dá uma média de 440 quilos de alimentos por entidade. O Banco dispõe de câmara fria, sala de manipulação, diversas salas de estocagem e uma cozinha industrial, onde acontecem oficinas de capacitação para as entidades, formações para geração de renda com alimentação saudável e atividades de educação nutricional para escolas, unidades de saúde e população do entorno.

Servidora apresenta uma das salas de estocagem do Banco de Alimentos a profissionais das entidades beneficiadas, dando dicas sobre armazenamento e conservação dos produtos. Foto: Dionizio Bueno.

Os dados disponíveis sobre o Banco de Alimentos mostram que em 2020, primeiro ano da pandemia, houve um sensível aumento na quantidade de alimentos recebidos e distribuídos pelo Banco. Isso demonstra como é fundamental que um sistema de segurança alimentar esteja sempre em funcionamento, pronto para ampliar sua atividade em períodos de agravamento da fome, por meio de ações emergenciais.

Podemos também atribuir a um equipamento público como este uma importância que vai muito além da perspectiva de mitigação dos efeitos de um sistema alimentar excludente. Ele pode ser usado para a própria construção e consolidação de um sistema alimentar mais justo e acessível. A estrutura do Banco de Alimentos pode, por exemplo, ser utilizada com enfoque de fortalecimento da economia local, por meio de aquisições governamentais permanentes de produtos da agricultura familiar existente na região em que está instalado. Seria uma contribuição sistêmica para a erradicação da fome, profundamente alinhada aos princípios da segurança alimentar, um modelo que poderia ser replicado em outras regiões da cidade.

As dinâmicas do mercado e do capital tendem a excluir da cadeia produtiva o pequeno produtor. Para contrabalançar essa tendência, cabe ao poder público adotar um papel ativo no sentido de garantir a viabilidade econômica desses estabelecimentos. A quantidade de sítios produtores e hortas urbanas existentes no município demonstra como isso é possível inclusive dentro de uma metrópole como São Paulo. Além dos evidentes benefícios sociais, um sistema localizado de produção de alimentos afeta o preço final, ao diminuir os custos de transporte, e também a qualidade do alimento, que viajará menos e chegará mais fresco à mesa das pessoas.

Criado em 2002, o Banco de Alimentos da Prefeitura de São Paulo é um programa da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (SMDET), por meio da Coordenadoria de Segurança Alimentar e Nutricional (Cosan).

entrevista: Ademar Suptitz

Na primeira ação do Bicicarreto, em 2018, contamos com a parceria e, principalmente, a confiança de Ademar Suptitz, coordenador da loja do Armazém do Campo de São Paulo. Recentemente, estivemos no Armazém para tomar um café e conversar sobre produção e distribuição de alimentos.

Ademar – ou Schusk, como costuma ser chamado pelos companheiros de militância – nasceu no Rio Grande do Sul, em uma família de camponeses. “A gente tinha lá um poço, e ao redor do poço tinha as árvores, mais em baixo tinha um açude com peixes, tinha um campinho pras vaquinhas, uma horta ao redor da casa e um pomar mais pra cima. Tinha a área de plantio e no canto tinha uma mata preservadinha, para se ter a lenha, a madeira. A gente guardava as sementes de um ano pro outro.”

Nesta entrevista, Schusk fala sobre associativismo e cooperativismo, sobre a distribuição dos produtos da reforma agrária e sobre algumas estratégias de atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Mostra como o agronegócio vai tomando o lugar da produção de alimentos e conta experiências bem-sucedidas na produção de alimentos orgânicos no Brasil. Esta é a primeira de uma série de entrevistas na qual mostraremos os diversos componentes de um sistema alimentar soberano, pelo olhar das pessoas envolvidas nessa luta.

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Fala-se muito das dificuldades que os pequenos produtores têm para escoar sua produção. Quais são os maiores desafios?

Esse é um dos grandes gargalos. Ao falar de comércio, tem que pensar também na logística. Se as famílias não se organizam, vem o atravessador e acaba comprando. Esse debate passa pela discussão da organicidade, em torno do associativismo. Para uma família de camponeses, individual, é muito difícil o trabalho. O cara acorda às seis da manhã, tira o leite, cuida dos animais, faz café manda os filhos pra escola. É o tempo todo na lida, plantio, colheita. E ainda tem que se preocupar com o mercado? A partir do momento que se associa com alguém, vai profissionalizando determinadas tarefas.

Quem faz feira, geralmente não é uma família sozinha, eles se juntam em três ou quatro. Porque como vai organizar tudo para levar para a feira? Planta a semana toda, na sexta tem que colher, amarrar o maço da cenoura, da rúcula, botar nas caixas. Muitos funcionam assim, a família se vira. E muitos usam bicicleta, principalmente quem está perto, até cinco ou dez quilômetros é bicicleta! Nos assentamentos do Brasil inteiro. De 2004 até 2012, qualquer família assentada conseguia financiamento para comprar uma caminhonete. Isso facilitou, mas por que não investir em tecnologia, uma bicicleta cargueira, um esquema híbrido movida a sol e pedalada para evitar o fóssil. Não tem isso no Brasil.

E costuma ter para quem vender a produção?

De um modo geral, tem para quem vender. O problema é a superexploração, o atravessador paga um preço muito baixo e não agrega valor.

Esse atravessador é regra geral nos assentamentos que você conhece?

Olha, pelo menos a metade é. De nossa base, pelo menos 80% não é coletivada. No acampamento sim, mas no assentamento o cara acaba optando pelo [caminho] individual. Onde tem liderança, onde a formação é boa, funciona, mas de um modo geral, não. O [acampamento] Irmã Alberta é extraordinário desse ponto de vista, porque ainda é acampamento. Nossas cooperativas, de um modo geral, acabam apadrinhando muitas famílias também: aqui está a estrutura, então bora. No caso do arroz, mesmo o cara individual está tranquilo, porque a cooperativa compra todo o arroz dele e paga um preço justo, paga a mesma coisa que pagou para o associado da cooperativa. A gente elimina a desigualdade, tem muita força nesse sentido. Mas não é regra geral.

No caso do arroz orgânico tem a indústria. A cooperativa é dona da indústria. Mesmo o individual, ele é sócio. A indústria paga um valor mais alto que o mercado convencional. Na pandemia o mercado pagava 80 reais o saco para o produtor, a cooperativa sempre pagou 130.

E como funciona?

Tem aqui um assentamento, digamos o assentamento Capela. Numa parte dele é cem por cento cooperado, ninguém sabe onde está seu lote, é tudo posto de trabalho. Eu trabalho na fábrica de arroz, você trabalha no abatedouro, outro no administrativo, outro no refeitório. No final do mês se distribui a hora trabalhada. Nesse assentamento tem um grupo de cinco irmãos, eles se organizam para ter a máquina associada. Aí tem um grupo de três, outro de dois, e tem muitos que é só ele e a família.

Tem assentamentos em que é cem por cento individual, tem onde é cem por cento coletivo e tem misto. É o lance de você formar lideranças. Quando tem liderança forte, ela acaba conseguindo manter a organização. Quando não tem, é meio que cada um por si. Claro que tem também a organicidade do MST, essa organicidade mais da política, digamos. A cada dez famílias é um núcleo, tem um coordenador e uma coordenadora no assentamento todo. Aí o cara não representa só a cooperativa, representa o assentamento todo. Ao longo desses quase 40 anos a gente foi experimentando de tudo um pouco, mas o grande desafio é ir formando consciência nessa galera pra eles irem se associando.

Ademar Suptitz (Schusk), no Armazém do Campo da Barra Funda, em São Paulo. Foto: Dionizio Bueno.

Parece que o arroz, pela necessidade de equipamentos para colheita mecanizada, beneficiamento, etc., fomentou o surgimento da cooperativa, e isso resultou numa proteção contra o atravessador. Mas isso não aconteceu na produção de outros gêneros que são vendidos mais in natura como hortifruti, leite…

Aí cooperação é menor. Deveria ser ao contrário, né? Antes da produção agroecológica do arroz, o brejo era arrendado para o grande latifúndio do arroz, porque é difícil produzir o arroz. Está no meio da água, é só máquina bruta que faz esse trabalho. Mas aí os caras se organizaram, três famílias começaram a produzir orgânico num projeto do estado. Se formaram em cooperativa, foram vender ensacado.

Isso há quanto tempo?

Começou em 2002. O arroz tem contribuído para esse diálogo das outras cadeias. Agora o setor de produção tem feito um diálogo em torno de aptidões regionais. Tem que plantar arroz em outros lugares do Brasil, mas em alguns não tem aptidão. Por exemplo, o sul da Bahia tem aptidão pra plantar arroz, então vamos lá organizar.

Mas tudo depende do que a família consegue produzir. Geralmente tem uma ou duas linhas de produção que é para o mercado convencional, pro tal do atravessador. A gauchada, por exemplo, é soja transgênica. A produção já está vendida para uma cooperativa. Os agricultores já receberam faz dois anos, digamos, as safras até 2025. Tem isso também. Duzentos reais o saco de soja! O cara não vai plantar outra coisa. Vai vender a produção e vai ter uma máquina. Mas para produzir soja orgânica, aí é difícil. O problema da soja é que em qualquer lugar o cara te financia. Pega qualquer fazendeirinho lá, se ele tem um silo que guarda a soja, tem um capital de giro, eles financiam.

Então é mais fácil conseguir financiamento só pelo fato de ser soja?

Sim, e aí já está tudo lá: o trator, a plantadeira, já tem tudo. Se for criar uma cadeia nova, não tem nada. Não tem o agrônomo, não tem o pacote tecnológico, não tem o insumo, tem que fazer tudo, tem que começar do zero. Esse pessoal do agronegócio tem trezentos bilhões [em financiamentos], nós não temos nada!

E quanto às feiras de produtores, como tem sido essa articulação?

Isso depende da relação do assentamento com a prefeitura, com a Emater ou com a igreja, depende muito da articulação. Mas de um modo geral, no interior, tem muitos lugares em que não tem uma feira na cidade. Porque aquele carinha da soja, só porque vendeu a soja e está usando máquina, ele não quer saber de plantar alimentos. Ele acaba comprando até o alface dele no mercado. A gente sempre discute isso com as famílias. “Olha, você pode ter uma ou duas linhas de produção para o mercado, e é bom ter mais de uma, porque se uma oscilar você não vai se prejudicar totalmente, mas tenha um mínimo para subsistência, uma horta, um pomar.” Mas essa galera da soja, nem horta tem, só quer plantar soja.

Você já foi pro Sul né? Na beira do asfalto não tem mato, tem soja. Porque dá muito dinheiro. Imagina, 50 dólares o saco. Por isso é que a desregulação do mercado brasileiro é tão perversa. O cara que plantava tomate diz: “O que, eu?” Ter que pagar mão de obra, veneno. Imagine, uma latinha de 500 gramas de semente de tomate é cinco mil reais. Isso na época em que eu estava em Minas, agora deve ser dez mil. Aí qualquer chuva de pedra acaba com o tomate. E a soja não. Então o que manda é sempre o produto mais fácil de produzir, que é a soja, o milho.

Você deve ter visto aquele trabalho que saiu recentemente, Agroecologia nos Municípios, que fala das iniciativas municipais que de alguma forma fomentam a agroecologia e a produção familiar. O campeão de iniciativas está lá na região Sul. O que você acha que acontece lá que de alguma forma ajuda essas iniciativas a surgirem?

É possível que seja uma questão cultural do Brasil. Tem estudos sobre isso, mas não dá para ter certeza. Ali tem a imigração europeia, que pelas necessidades era mais associativista. No nordeste, o cara saiu da escravidão do sistema escravista e acabou caindo na escravidão do grande latifúndio. Aí o associativismo acabou ficando de lado. Apesar que as ligas camponesas tiveram um trabalho muito legal lá. E hoje nós temos muitas cooperativas no Nordeste, Centro-Oeste, Amazônia. A gente tem conseguido discutir um pouco. Ainda não o cooperativismo, a gente discutiu o associativismo. O cooperativismo já é um pouquinho mais complexo.

O associativismo pode ser ali um grupo de mulheres que resolveram fazer pão. Isso já é associativismo. Ou alguns agricultores que resolvem fazer um roçado pra festa de Natal. É associativismo. No final dos anos 1970, no Brasil, era muito espontâneo o associativismo. Tinha até clube de mães discutindo contra a ditadura militar. Não precisa voltar nesse passado, mas teria que pensar um pouco nisso. Então acho que o sul do Brasil, de um modo geral, tem um pouco disso. Pega ali a Serra Gaúcha. A Serra Gaúcha casou a pequena agricultura com a indústria. Caxias, por exemplo, é uma região super industrializada, mas ali ao redor é só pequena propriedade, não tem grande latifúndio.

Indústrias do setor de alimentos?

Indústria de um modo geral. Tem a Scania, a Marcopolo, a Tramontina. Porque o capital vai ali onde tem matéria prima para a indústria, mas tem também a mão de obra do camponês. A reforma agrária clássica nos países europeus foi nesse sentido. O Brasil nunca fez essa reforma agrária clássica.

Como seria isso?

É a distribuição da terra casada com desenvolvimento da indústria. A reforma agrária produz matéria prima para a indústria e também produz a mão de obra, que é o filho, que está ali perto. Pega ali Bagé, não tem indústria nenhuma, ali é o grande latifúndio ainda. Atrasado, retrógrado. Regiões de fronteira, de um modo geral. Mato grosso é um descampadão, não tem indústria. Aí pega o Espírito Santo, tem bastante indústria e bastante agricultura familiar. Santa Catarina é quase só agricultura familiar. E tem bastante indústria: Sadia, Aurora. Até mesmo o capitalismo deu sinais do que era melhor e do que não era.

E que formas você vê de semear isso mais para cá, de fomentar o associativismo?

Nós temos cooperativas e associações em todo lugar do Brasil, desde 30 anos atrás. Eu acho que é preciso ter lideranças. E acho que a igreja contribuiu um pouco também, com a Teologia da Libertação. O MST também vem disso. Eu lembro que os padres faziam assim: mostra um gravetinho, “Assim você quebra bem fácil”; se forem vários gravetos, “Aqui já é bem mais difícil”. Discutir o campesinato é discutir toda essa relação entre homem e natureza. Nós somos produtores da natureza.

Eu suspeito que teria que ir pelo caminho dessas experiências de trabalho de base que já existem: mapear, mapear, mapear possíveis lideranças. Nós, no Armazém do Campo, fazemos muito isso. Conseguimos abrir várias lojas. A gente mapeia lá no estado alguém quem tem potencial de reproduzir o conhecimento. O cara vem pra cá, a gente treina ele durante quinze dias, ele volta lá e assume.

Produtos orgânicos da reforma agrária, no Armazém do Campo da Barra Funda, em São Paulo. Foto: Dionizio Bueno.

Agora um pouco sobre o Armazém do Campo. Considerando apenas produtos in natura, esta loja compra de quantos produtores, atualmente?

Na segunda-feira vem de uma área nossa em Jarinu, tem grupo de sete ou oito pessoas lá, bem pouco. Na segunda nós também pegamos dos quilombolas do Vale do Ribeira, os bananeiros. Vem a banana, tem bastante cebola, tomate, palmito.

Na terça nós pegamos com o pessoal da Terra Viva, lá da região de Sorocaba. Eles pegam de vários pequenos agricultores e de uns assentamentos nossos que tem ali. Depende do período, mas tem período que eles têm tudo: banana, laranja, manga, cebola, batata, tomate, as hortaliças e tal. Na terça vem também [de assentamentos e acampamentos] da Grande São Paulo, aí é aquele esquema que vocês fizeram.

Aí na quarta é a Cooperapas, que é daqui da zona sul. São pequenos agricultores dali que organizaram essa cooperativa. Eles têm bastante horti-fruti, folhas, e muito bonitas. Toda quarta e todo sábado. Na quinta vem de novo da região de Sorocaba, dos nossos assentamentos ali. Para você ter uma ideia, eles têm a chave daqui, chega de madrugada.

Então aqui na quinta-feira tem produtos que acabaram de ser colhidos?

Sim, na terça e na quinta. Na verdade, todos os dias. Produtos colhidos praticamente na noite anterior. Aí na sexta repete o dos quilombolas e no sábado é a Cooperapas de novo, zona sul. O número exato de produtores eu não sei, mas acho que dá mais de cem. Porque em cada um desses esquemas, eles pegam de vários produtores diferentes.

Esse pessoal do Vale do Ribeira, eles são uma cooperativa?

Isso, a Coopafasb. São famílias quilombolas, ali ao redor do rio. O forte deles é banana, eles abastecem mais de cinco mil escolas aqui em São Paulo, São Bernardo, Santo André, São Caetano.

Por meio do PNAE?

Isso, do PNAE. Banana é com eles. É essa que você está vendo ali. Tem todo um processo, é climatizada, vem padronizadinha. A banana de amanhã e de sábado é mais barata que a do sacolão. No sacolão deve estar oito, a nossa tá seis e cinquenta. Eles têm folhas também, mas folha a gente não costuma pegar deles. Porque é bem mais de duzentos quilômetros. Quando os outros não têm, a gente acaba pegando. Mas normalmente, não. Pra que uma alface tem que viajar tudo isso, se tem por aqui? Então a gente evita.

Para finalizar, o Armazém do Campo tem quantas lojas atualmente?

Nós estamos com quinze lojas físicas abertas. Temos em Porto Alegre, Londrina, Cascavel, Ortigueira, Maringá, São Paulo, Guarulhos, Belo Horizonte, Almenara, Teófilo Otoni, Uberlândia, Montes Claros… E tem outras que estão para abrir. As lojas pertencem ou à direção estadual ou à regional. A única [vinculada à direção] nacional é esta aqui. Eu sou vinculado à secretaria nacional. As outras, são todas vinculadas às direções estaduais ou regionais. Essa é mais ou menos a nossa estrutura.

Nós, os coordenadores, não somos donos. A gente recebe uma ajuda de custo, como qualquer um dos outros meninos que estão em outras funções. A minha política de ajuda [de custo] também é igual à dos outros dirigentes que estão em outros setores, que são dirigentes que nem eu. E a nossa política é de um para quatro: o que ganha menos ganha um, o que ganha mais ganha quatro. A sociedade mais igualitária do mundo que já existiu foi a vietnamita, que era socialista. Atualmente é a cubana, que é um para dez.

No Vietnam era quanto?

Era um para sete. Foi a mais igualitária que teve.

Um para dez já é fantástico, né?

Em Brasília é um para cento e oitenta!

Isso declarado…

Isso declarado, óbvio que tem muito mais. Mas em Cuba, o faxineiro é um e o médico é dez no máximo. No MST é um para quatro. Nós somos mais socialistas que Cuba!

quilombo quebrada

Pouco a pouco, novas conexões estratégicas vão se formando entre produtores e consumidores. Alimentos produzidos nos quilombos do Vale do Ribeira, região sul do estado de São Paulo, agora chegam diretamente ao bairro de São Miguel Paulista, na zona leste da capital, por meio da iniciativa Quilombo Quebrada.

A ação aconteceu pela primeira vez no dia 9 de julho, no Galpão ZL, que pertence à Fundação Tide Setúbal, e voltou a ocorrer no mês de agosto. Os alimentos foram trazidos pela Cooperquivale (Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira), que tem sede no município de Eldorado, através de uma articulação do Instituto Socioambiental (ISA). Além de serem agroecológicos, esses alimentos são produzidos por meio do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, um conjunto de saberes reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio imaterial do Brasil.

O Quilombo Quebrada é uma feira de produtores que leva alimentos saudáveis até uma região onde as pessoas têm dificuldade para obter comida sem veneno. Sabemos como os alimentos orgânicos custam caro nas redes de supermercados, e são poucas as feiras livres que oferecem essas alternativas. Ao criar um circuito curto, a iniciativa possibilita o acesso aos alimentos saudáveis a um preço mais acessível.

Colheita de mandioca no Quilombo Cangume, em Itaóca – SP. Foto: © Manoela Meyer / ISA.

Há um importante antecedente nessa articulação com a cooperativa do Vale do Ribeira. Em 2021, durante uma das fases mais críticas da pandemia, aproximadamente 11 toneladas de alimentos produzidos nos quilombos foram entregues no Jardim São Remo, na zona oeste de São Paulo. Os moradores da comunidade, por sua vez, foram recebidos nos quilombos, e ali puderam ter contato direto com os produtores e produtoras da região. Essa riquíssima troca de olhares e experiências foi retratada no minidocumentário “Do Quilombo pra Favela – alimento para a resistência negra”, produzido pelo ISA.

A ideia é que o Quilombo Quebrada aconteça mensalmente no Galpão ZL. A próxima ação está marcada para o sábado 10 de setembro.

municípios agroecológicos

Como uma prefeitura municipal pode incentivar a agroecologia em seu território? O levantamento Municípios agroecológicos e políticas de futuro, realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), mostra diversos caminhos que as prefeituras podem seguir para fortalecer a agricultura familiar e a produção agroecológica, beneficiando-se dos efeitos positivos disso para a economia municipal e, sobretudo, a saúde e qualidade de vida de seus cidadãos.

Foi feito um mapeamento preliminar, em todas as unidades da federação, das ações, políticas, programas e leis municipais que, de alguma forma, contribuem para fortalecer a agroecologia. Em seguida, houve um aprofundamento no estudo dessas ações, o que resultou num conjunto com 721 iniciativas das quais o poder público municipal seja executor e/ou financiador, incluindo aquelas que surgiram da sociedade civil mas em que as prefeituras tenham um papel chave. As iniciativas foram categorizadas, formando uma lista com 41 campos temáticos.

A lista abaixo está resumida, incentivamos fortemente a leitura do estudo. Temos aí possibilidades interessantes e concretas de atuação, que estão acontecendo ou já aconteceram em cidades brasileiras.

  • apoio à formação de circuitos curtos de comercialização (cessão de espaço público para realização da feira, construção de pontos fixos de comercialização, compra de barracas, apoio na logística de transportes);
  • promoção das compras institucionais (acesso a políticas como PAA e PNAE, criação de restaurantes populares);
  • fomento à infraestrutura de produção (estruturação de espaços de armazenamento e/ou beneficiamento de alimentos, construção de sistemas ecológicos de saneamento, implantação de sistemas de geração de energia solar);
  • apoio a bancos de sementes comunitários e viveiros de mudas nativas (melhoramento genético participativo);
  • melhoria no acesso à água (recuperação de nascentes e matas ciliares, cisternas, reuso de água);
  • incentivo à produção agrícola em áreas urbanas e periurbanas (hortas comunitárias, hortas escolares, centros municipais e públicos de produção de alimentos);
  • uso de plantas medicinais e práticas integrativas de saúde no âmbito do SUS (intercâmbio entre saberes tradicionais e conhecimentos científicos, indicação de fitoterápicos aos pacientes, implementação de laboratórios de manipulação de plantas medicinais);
  • apoio técnico e extensão rural (convênios com organizações da sociedade civil para incentivar a agroecologia);
  • disponibilização de equipamentos e insumos (uso coletivo de máquinas da prefeitura, programas de ensilagem, distribuição de insumos);
  • fiscalização e restrição de atividades que geram impactos negativos (leis municipais que proíbem a expansão do agronegócio, instituição de zonas livres de agrotóxicos, proibição de monoculturas como eucalipto e cana-de-açúcar, proibição do uso de árvores nativas para produção de carvão vegetal em escala industrial).

Nuvem de temas do levantamento. Fonte: Municípios agroecológicos e políticas de futuro. CLIQUE PARA AMPLIAR

A região Sul do país se destaca com 282 (39%) das iniciativas catalogadas, seguida pela região Nordeste, onde estão 223 (31%) delas. Porém, é a região Nordeste que tem o maior número de municípios com iniciativas (228, ou 43%), enquanto que na região Sul há apenas 170 municípios com iniciativas (32%). Ou seja, há no Nordeste mais municípios onde existe algum apoio à causa, enquanto no Sul as iniciativas estão concentradas em menos municípios. Seria interessante se o estudo indicasse também a porcentagem de municípios com iniciativas sobre o total de municípios (por região e por estado), permitindo medir o avanço dessas iniciativas ao longo do tempo.

Apoio a feiras e circuitos curtos é o tipo de iniciativa que mais aparece em todas as regiões exceto a Sul, onde o predominam iniciativas da categoria Fomento à produção, e é também o tema de maior incidência entre todas as iniciativas catalogadas.

Neste blogue, temos defendido a proximidade entre produtor e consumidor. O apoio às feiras de produtores e à formação de circuitos curtos de comercialização permite, com um investimento relativamente baixo, contribuir para o florescimento da atividade agrícola local, com benefícios para produtores e consumidores, além de permitir o fortalecimento dos vínculos entre eles. No caso da cessão de espaços públicos para a realização de feiras de produtores, por exemplo, o custo é próximo de zero.

Em cidades pequenas, as feiras de produtores têm um papel que vai além da simples função de abastecimento, são locais de encontro entre moradores das áreas rural e urbana. Nas cidades grandes, quando localizadas em regiões periféricas, colocam em contato direto os consumidores dessas regiões com os produtores das áreas periurbanas. Apesar da proximidade geográfica entre elas, é comum que a produção orgânica dos cinturões verdes das grandes cidades seja inteiramente deslocada para regiões centrais e bairros abastados, onde serão comercializadas como produtos diferenciados, mais caros. O desenvolvimento da agroecologia é uma boa oportunidade para superar contradições de nossa organização social.

Além do relatório, está também disponível na página da ANA uma base de dados com todas as 721 experiências que entraram no estudo, trazendo a descrição das iniciativas e outros dados. É uma fonte de informações sobre experiências concretas, que podem ajudar gestores públicos a compor suas visões estratégicas e inspirar a sociedade civil na organização de suas demandas.

O incentivo à agroecologia atinge imediatamente as vidas dos pequenos produtores, que se fortalecem economicamente, e dos consumidores, que passam a ter acesso a mais alimentos saudáveis e a preços menores. Isso tudo se reflete positivamente nos indicadores de saúde das localidades.

É no plano local que se constrói a mudança concreta, e daí vem a importância das prefeituras no desenvolvimento de um sistema alimentar genuinamente voltado para atender as necessidades da população.

agricultura urbana em Osasco

Há alimentos crescendo até nos menores cantinhos de terra, em quintais e terrenos da cidade. Há pessoas precisando comer, algumas vivendo precariamente. Falta alguém para unir as duas pontas. Em Osasco, faltava.

Um grupo de moradoras está ali montando cestas com alimentos produzidos sem veneno nas hortas urbanas da cidade. Uma parte delas é vendida, e isso viabiliza a doação da outra parte das cestas para mães solo em situação de vulnerabilidade.

Foto: Beatriz Ataidio

Foi com essa ideia simples e genial que a Ecoz começou a atuar em maio de 2020, ainda nos primeiros meses da pandemia. O esquema funciona em semanas alternadas: numa semana ocorre a venda das cestas; na semana seguinte, é a vez das doações, que atualmente beneficiam 40 famílias.

A Ecoz trabalha com o princípio da alimentação local, mantendo uma rede de produtores e consumidores que estão distribuídos em uma área geográfica restrita. Fora algumas poucas exceções, as hortas fornecedoras estão localizadas no próprio município de Osasco, a distâncias que podem ser facilmente cobertas por bicicletas!

Imagem: Google Maps

A maioria das hortas fazem parte do programa de Economia Solidária da Secretaria de Emprego, Trabalho e Renda, da Prefeitura de Osasco. É uma política pública de incentivo às hortas urbanas, que transforma terrenos vazios e áreas de passagem da rede elétrica em espaços para a produção de alimentos.

Para a parte logística, a Ecoz conta atualmente com o quintal de uma casa parceira, localizada em um bairro com nome bastante sugestivo e inspirador: Vila Campesina. Todos os produtores entregam ali os alimentos. Aos sábados, um grupo de voluntários se reúne para fazer a montagem das cestas. E dali elas partem, conforme a semana, para as casas dos clientes ou das famílias que recebem as doações.

Foto: Dionizio Bueno

Através de sua rede de parceiros e clientes, a Ecoz vem também incentivando as pessoas a plantarem alimentos em qualquer pequeno espaço de terra que tenham em suas casas ou apartamentos. E sabemos quanta coisa é possível produzir até mesmo em vasos.

Alimentos saudáveis e sem veneno, cultivados logo ali, colhidos há poucos dias e que viajaram menos de 20km da horta até a mesa. A agricultura urbana torna isso possível e pode nos levar a refletir sobre os usos e as funções da terra, mesmo dentro de uma metrópole enorme como esta.

semente

Quando resolveu invadir a Índia com suas sementes geneticamente modificadas, a indústria do pesticida fez campanhas agressivas nos pequenos vilarejos, exibindo filmes que mostravam seus produtos junto a deidades do hinduísmo, como forma de quebrar a resistência e ganhar a simpatia dos agricultores. Eles gostaram da proposta, aceitaram converter suas plantações para a transgenia e compraram sacas de sementes patenteadas. A estratégia funcionou. Até aqui, apenas uma velha e manjada ferramenta da publicidade.

Acontece que os agricultores naturalmente tinham o hábito de estocar as sementes de suas culturas, pois eram elas que reiniciavam o ciclo de cultivo no ano seguinte. Essas sementes nativas ameaçavam o interesse da indústria: se não gostassem da nova experiência, os agricultores poderiam voltar a plantar suas próprias sementes e a indústria perderia aquele mercado. Era preciso garantir a dependência perpétua. Era preciso eliminar qualquer outra alternativa dos agricultores, destruir as chances de sobrevivência das formas tradicionais de cultivo. Como aquele tiro que o assassino dá na cabeça do morto caído no chão, para garantir que ele está mesmo bem morto.

Foi simples fazer isso. Os agentes da indústria ofereceram uma quantia em dinheiro em troca de quaisquer sementes antigas que os agricultores pudessem ter guardadas nas fazendas. Parecia um bom negócio, afinal eles agora tinham as novas sementes, cheias de promessas, e nenhum motivo para supor que poderiam precisar das antigas. Alguns trocados a mais fariam diferença no orçamento daquelas famílias simples. Entregaram tudo. Quando começaram a se dar conta da armadilha em que haviam caído, houve uma onda de suicídios de agricultores. Um deles se matou bebendo o próprio pesticida.

O filme Semente: a história nunca contada (Seed: The Untold Story) apresenta apenas um ou outro caso sinistro como esse. É importante conhecer o adversário, saber com quem estamos lidando para jamais duvidar da sua absoluta falta de escrúpulos. Porém, o que vale o filme são as belas histórias de resistência, iniciativas de ativistas de diversos lugares do mundo que estão contribuindo para preservar a diversidade. Ao longo do século XX, 94% das variedades de sementes desapareceram.

Um banco de sementes em Iowa, EUA.

Você conhecerá colecionadores de sementes, bibliotecas de sementes, bancos comunitários de sementes, caçadores de sementes raras que só restaram em poucos lugares do mundo. Verá soluções que os agricultores e agricultoras estão encontrando para ajudarem uns aos outros e resistirem contra as investidas dessa indústria de destruição da vida. Como as feiras de trocas de sementes nativas, por exemplo.

Foi durante a I Feira de Trocas de Sementes e Mudas da Reforma Agrária, realizada na Comuna da Terra Irmã Alberta em setembro de 2017, que saiu da terra o primeiro broto de ideia do BiciCarreto.

Belo tributo a esses pedaços de matéria que carregam a vida inteira dentro deles, Semente: a história nunca contada é perfeito como primeira sugestão de filme publicada neste blogue.

um sítio no quintal

Casa antiga num bairro residencial, fachada com varanda e arcada, muitas plantas e flores no jardim. Quem olha rapidamente pode achar que está vendo mais uma daquelas casinhas de vó que ainda sobrevivem em alguns bairros da cidade. Mas se você olhar com mais atenção, vai perceber que pela lateral da casa se estendem fileiras e mais fileiras de verduras, plantadas em vasos, garrafas e tubos no chão e pelas paredes, até lá em baixo, no fundo do quintal.

Foto: Dionizio Bueno

Você está diante da Urban Farm Ipiranga, uma horta urbana onde se produzem frutas e verduras orgânicas bem no meio da capital. Funcionando desde novembro de 2017, essa horta produz hoje em torno de 25 cestas de produtos orgânicos por semana. Em outras palavras, graças a uma iniciativa como esta, 25 famílias da região podem comer alimentos sem nenhum veneno, cultivados localmente, comprando-os direto do produtor.

César Moreira, idealizador da Urban Farm Ipiranga, é quem faz praticamente toda a lida da horta, além de entregar em domicílio boa parte da produção. Aos sábados é possível comprar os alimentos no local, o que é também uma ótima oportunidade para conhecer o espaço.

Foto: César Moreira

É uma bela demonstração de como é possível aproveitar bem um quintal para produzir alimentos, mesmo tendo parte dele coberta por cimento. Projetos como este são alternativas concretas e viáveis para evitar a formação de desertos alimentares. Vale a pena conhecer, apoiar e, quem sabe, até mesmo iniciar um projeto semelhante na sua região.

Foto: César Moreira

Em breve, por meio de uma parceria com o BiciCarreto, os produtos da Urban Farm Ipiranga serão entregues também em bicicletas. Sem consumir uma única gota de gasolina nem emitir fumaça, chegarão diretamente do produtor até as casas das pessoas.