Em abril de 2000, a poucos meses do fim do século XX, representantes de diversas cidades latino-americanas estiveram juntos na capital equatoriana, durante o seminário internacional “Agricultura Urbana en las Ciudades del Siglo XXI”. O encontro foi organizado por diversas entidades de importância mundial ou regional, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Programa de Gestão Urbana para a América Latina e o Caribe (PGU-ALC), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Centro Internacional de Pesquisa para o Desenvolvimento (IDRC), o Centro das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (Hábitat) e a Coordenação Regional para América Latina e Caribe.
Um dos resultados desse encontro foi a Declaração de Quito, um documento firmado por mais de 30 cidades latino-americanas que convida governos e demais atores públicos e privados a comprometerem-se com a prática da agricultura urbana e com o apoio ativo ao seu desenvolvimento.
A Declaração de Quito é tida como o primeiro documento internacional diretamente voltado à promoção da agricultura urbana, reconhecendo a atividade como central em diversas áreas e propondo caminhos para que seja tratada como política pública. O texto da Declaração faz um chamado aos “governos estaduais e nacionais para que considerem a Agricultura Urbana em seus programas de combate à pobreza, segurança alimentar, promoção do desenvolvimento local e melhoria do ambiente e da saúde”.
Um dos destaques do documento é a ênfase que ele dá ao papel proativo que as administrações municipais podem ter na integração da atividade ao desenvolvimento das cidades. Hoje é comum que a agricultura urbana ocupe espaços vazios, como terrenos, cantos de praças, áreas de servidão. É preciso ir muito além disso. A Declaração sugere, por exemplo, que as prefeituras poderiam “promover a coleta de informações sobre as atividades da Agricultura Urbana em seus processos de planejamento territorial” e, com isso, antecipar o ordenamento urbano de forma a prever espaços para o crescimento das áreas cultiváveis nas cidades.

Horta urbana no Jaguaré, zona oeste de São Paulo. Foto: Dionizio Bueno.
Alguns municípios brasileiros participaram do seminário e tornaram-se signatários da Declaração: Brasilia (DF), Curacá (BA), Maranguape (CE), Teresina (PI) e Fortaleza (CE). Durante os trabalhos do encontro, as cidades presentes apresentaram suas políticas municipais relacionadas à agricultura urbana.
Brasília, por exemplo, compartilhou a experiência de um programa, vigente entre 1995 e 1998, de apoio a produtores com poucos recursos, oferecendo-lhes crédito, assistência técnica e apoio à formação de microempresas. O programa também desenvolveu uma marca comercial para os produtos e criou pontos de venda na cidade para o escoamento da produção. Posteriormente, o projeto foi estendido aos estados de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
Teresina trouxe o relato de um programa da prefeitura que deu suporte a hortas comunitárias para 2500 famílias, convertendo 120 hectares de terrenos vazios em terras produtivas. Além disso, fornecia irrigação, insumos básicos e assistência técnica aos produtores.
Durante o seminário, formou-se também o “Grupo de Trabalho de Cidades sobre Agricultura Urbana e Segurança Alimentar”. Entre outras ações, o GT encaminhou a produção e divulgação, com apoio de entidades internacionais, de ferramentas metodológicas, guias e mecanismos que coletem experiências regionais e informem a formulação e execução de políticas públicas, principalmente relacionadas a planejamento urbano e ordenamento territorial, reutilização de água e resíduos sólidos orgânicos e linhas de crédito para a agricultura urbana.
Importante legado desse seminário, a Declaração de Quito é ainda hoje uma referência fundamental para o devido posicionamento da agricultura urbana dentro da gestão municipal. Sendo uma atividade com impactos tão evidentes em diversas esferas da vida nas cidades, a agricultura urbana precisa urgentemente ser pensada de forma mais ampla, como uma estratégia essencial para um desenvolvimento urbano sustentável.
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