obesidade supera subnutrição

Quando se fala em crianças desnutridas, a imagem que vem à mente é de uma criança magra, esquálida, só pele e osso. Com o avanço das estratégias mercadológicas da indústria de ultraprocessados, essa imagem precisa ser atualizada. Agora, a imagem da desnutrição é uma criança obesa.

De acordo com o relatório Feeding Profit – how food environments are failing children (Alimentando o Lucro – como os ambientes alimentares estão falhando com as crianças), publicado pela UNICEF em setembro, o número de crianças obesas no mundo já supera o de crianças subnutridas. O documento trabalha com os dados consolidados mais recentes disponíveis, que são de 2024 para uma das faixas etárias e de 2022 para as outras.

O relatório mostra que a prevalência global de obesidade entre crianças e adolescentes dos 5 aos 19 anos em 2022 foi de 9,4% e apresenta padrão de aumento. O índice supera o de prevalência de subpeso nessa mesma faixa etária, que vem caindo nos últimos anos e em 2022 foi de 9,2%.

Outro dado preocupante é que, entre os casos de sobrepeso, a obesidade vem ganhando participação. No ano 2000, 30% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos com sobrepeso eram obesas. Em 2022, esse índice já estava em 42%, ou seja, 163 milhões de crianças e adolescentes obesos no mundo. Além de ser mais difícil de reverter, a obesidade, que é a forma severa do sobrepeso, representa um risco maior de problemas graves de saúde.

De acordo com o relatório, muitas crianças vivem inseridas em ambientes alimentares insalubres, onde ficam expostas às práticas mercadológicas agressivas da indústria de ultraprocessados. Esses produtos comestíveis se proliferam nas lojas de varejo e conseguem se infiltrar em escolas. As crianças vivem cercadas.

Imagem: divulgação

Em alguns países observou-se que a presença de produtos açucarados em locais frequentados por crianças é maior nos bairros economicamente desfavorecidos do que em áreas mais ricas, e o Brasil é mencionado como exemplo de país onde isso acontece. Dados de outros estudos citados mostram a agressividade da indústria de ultraprocessados em suas práticas mercadológicas, com destaque para a propaganda em meios digitais. Crianças e adolescentes relatam sentimentos de tentação, pressão e impotência diante da onipresença desses produtos e de sua publicidade.

O relatório chama a atenção para as práticas antiéticas dessas corporações, que se aproveitam de desastres humanitários e situações emergenciais de saúde pública, como a recente pandemia, para expandir seu alcance e pressionar pelo enfraquecimento das políticas de proteção dos consumidores.

Diante da gravidade dos fatos, o relatório apresenta propostas para conter o avanço desse quadro e garantir o direito das crianças à nutrição adequada. Entre as sugestões: um código internacional para disciplinar a comercialização de substitutos do leite materno e promover a amamentação natural; políticas abrangentes para aumentar a disponibilidade de alimentos saudáveis produzidos localmente; regras de cumprimento obrigatório para transformar os ambientes alimentares de crianças e adolescentes, incluindo restrições nas escolas; medidas robustas capazes de proteger as políticas públicas contra a interferência da indústria de ultraprocessados; sistemas de vigilância padronizados, nacionais e globais, para monitorar os ambientes alimentares, as dietas e os dados referentes à saúde alimentar de crianças e adolescentes.

O documento aponta o papel dos diversos atores da sociedade no combate a isso que podemos considerar uma pandemia fabricada de desnutrição. Destaca-se aqui o nosso papel, como membros da sociedade civil, em promover o amplo debate sobre os danos causados pelos produtos ultraprocessados, construindo uma demanda pública por políticas que melhorem os ambientes alimentares, para todos nós.

uma ameaça às corporações

Neste mês de novembro completam-se dez anos desde o lançamento do Guia Alimentar para a População Brasileira. A edição de guias alimentares é uma prática recomendada e apoiada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, do inglês Food and Agriculture Organization). Atualmente, mais de 100 países têm seus guias alimentares, com recomendações de acordo com as culturas alimentares locais, a disponibilidade de alimentos e a situação nutricional de sua população.

Conforme anunciado à época do lançamento pelo então ministro da saúde, Arthur Chioro, um dos principais objetivos do Guia é “combater a obesidade e o avanço das doenças crônicas no país”. A principal referência conceitual do Guia é a classificação NOVA, que organiza os alimentos em quatro categorias e define o que são os ultraprocessados. Estes produtos comestíveis, com qualidades nutricionais bastante questionáveis, estão altamente associados às doenças crônicas não transmissíveis, que representam uma importante questão de saúde pública para o país.

Acontece que, enquanto os ultraprocessados são uma ameaça para as pessoas e as populações, guias alimentares são uma ameaça para as corporações que fabricam esses ultraprocessados. O caso mais emblemático disso talvez seja o do relatório SRA Top Policy Issues (Principais questões de políticas referentes a assuntos científicos e regulatórios), produzido pela consultoria Sancroft para a Coca-Cola. Aproveitamos aqui a efeméride dos dez anos do Guia para falar um pouco desse relatório, que vê nosso Guia Alimentar como ameaça para os negócios da Coca-Cola.

Trata-se de um documento que apresenta um panorama das pressões regulatórias e políticas globais relacionadas a seis tópicos que podem afetar a produção e as vendas da empresa no mundo todo. Os tópicos são: uso de Bisfenol A (BPA) em embalagens, defensivos agrícolas, rotulagem, organismos geneticamente modificados, restrições a ingredientes específicos (cafeína, caramelo, corantes, aromatizantes, conservantes) e adoçantes (açúcar, produtos não calóricos e teor de doçura).

Imagem: reprodução

Cada capítulo traz um mapa de calor que classifica os países conforme as pressões que apresentam à empresa no tópico tratado. Em seguida vem uma análise das situações e tendências globais e locais referentes à regulação naquela área. O relatório também inclui informações sobre o cenário competitivo no qual a empresa atua e sobre outros atores que podem afetar o mercado da empresa. É interessante observar a forma como os danos à saúde humana causados por ultraprocessados são abordados pelo ponto de vista da corporação que os produz.

O Guia Alimentar para a População Brasileira é mencionado diretamente no capítulo sobre açúcar, adoçantes e teor de doçura. Em seu resumo executivo, esse capítulo começa reconhecendo o aumento nas taxas de obesidade, sobrepeso e doenças não transmissíveis e como isso trouxe a atenção do público ao conteúdo calórico dos alimentos e bebidas. Em seguida, observa que “há uma crescente aversão a ingredientes considerados artificiais ou sintéticos, bem como a alimentos processados em geral” (grifo nosso). É curioso o uso da palavra ‘considerados’, como se o fato de um ingrediente ser natural ou artificial/sintético fosse uma questão de opinião. De qualquer forma, essas constatações iniciais se referem, ao menos do ponto de vista de quem atua em defesa da saúde, a um avanço na consciência do público em relação às características nocivas de certos produtos.

Porém, a perspectiva fica clara quando os interesses corporativos passam ao primeiro plano. Ao mencionar as medidas adotadas por governos, o relatório observa que “Muitas das políticas e regulações propostas são discriminatórias ou punitivas” (grifos nossos) e acrescenta que “Muitas [dessas medidas] afetam negativamente o portifólio da Coca-Cola”. Afetar negativamente, nesse caso, significa diminuir as vendas e a reputação dos produtos da empresa.

Mais adiante, observa que “tem havido uma proliferação de estudos focados no açúcar e seu papel não apenas na obesidade, mas também em sua contribuição para doenças não transmissíveis” (grifo nosso) e afirma, ainda que indiretamente, que isso seria uma forma de demonização desse ingrediente dentro do debate sobre obesidade.

Então vem o mapa de calor, no qual os países do mundo são classificados conforme as ameaças que apresentam à empresa em questões relacionadas a açúcar, adoçantes e teor de doçura. A legenda deste mapa define duas categorias de ameaças: “em vigor” (enacted) e “potenciais” (potential).

O Brasil aparece como um país em que a ameaça está em vigor. O destaque no mapa especifica brevemente a situação aqui: “National negative dietary guidelines. Mixture of LNCS and sugar allowed”. A tradução literal seria: “Diretrizes alimentares nacionais negativas. Mistura de adoçantes e açúcar permitida”. ‘Dietary guidelines’ é equivalente em inglês a ‘guia alimentar’, e está no nome da versão em inglês do nosso Guia (Dietary Guidelines for the Brazilian Population). Na língua inglesa ocorre essa construção ‘diretrizes negativas’, fazendo referência ao fato de o Guia recomendar que se evite o consumo dos produtos da empresa.

Na seção que apresenta as situações regionais, o relatório da Sancroft se refere ao nosso Guia Alimentar afirmando que o Brasil publicou diretrizes alimentares “que são punitivas com relação ao açúcar às nossas bebidas, classificando-as como alimentos ‘ultraprocessados’” (grifo nosso). A frase passa a impressão de que os editores do Guia resolveram punir os refrigerantes, e para isso decidiram atribuir-lhes a avaliação de ultraprocessados, da mesma forma que um aluno mal avaliado alega que a professora lhe deu nota baixa porque assim quis, e não porque seguiu um critério de avaliação.

A definição de alimento ultraprocessado é clara, objetiva e de conhecimento público. Basta aplicar o critério para perceber que um refrigerante industrializado se encaixa, de maneira inequívoca e com bastante folga, dentro dessa categoria. Pelo menos neste caso, a professora não está sendo injusta com o aluno desleixado, a avaliação foi bem merecida.

Parece bastante honroso para o nosso Guia Alimentar ter sido nominalmente citado como ameaça por uma empresa que oferece produtos tão nocivos. Torcemos bastante para que a ameaça se concretize e cada vez mais gente diminua ou abandone o consumo dessas bebidas e demais ultraprocessados, que o mercado entrega às pessoas para que elas encham suas barrigas.

Outra ameaça brasileira mencionada no relatório é o Pacto Nacional para Alimentação Saudável, instituído em 2015, que visa estimular o consumo de alimentos in natura e minimamente processados e regular a propaganda de bebidas e alimentos ultraprocessados em escolas.

Em qualquer luta, é importante conhecer bem os adversários: como atuam, como expressam seus interesses, que recursos têm à sua disposição. Em seus esforços para ganhar dinheiro e dominar mercados, é isso que a Coca-Cola faz ao encomendar à Sancroft uma análise do contexto regulatório nos países em que atua. Em nossos esforços para promover a alimentação saudável, é isso que fazemos ao olhar com atenção para esse tipo de relatório.

O Guia Alimentar para a População Brasileira foi identificado por nosso adversário como uma ameaça, e isso é mais um ótimo indício de sua qualidade e relevância. Parabéns ao Guia pelos seus dez anos!

classificação NOVA

Quando se buscam critérios racionais para escolher alimentos, é comum que consumidores consultem as informações nutricionais. Por muitos anos, a população tem sido orientada a fazer isso, tanto na educação formal quanto em veículos de comunicação que falam do assunto. O modelo da pirâmide alimentar, por exemplo, ensina a priorizar certos tipos de nutrientes e evitar outros.

Acontece que na época em que essas orientações começaram a ser difundidas, no início do século XX, era comum preparar as refeições com alimentos naturais. A partir dos anos 1980, com o rápido desenvolvimento da indústria de alimentos, uma enorme variedade de produtos alimentícios embalados começou a ser oferecida às pessoas, com o apoio de propaganda que apresenta esses produtos como práticos, saborosos e divertidos. Muitos desses produtos são ultraprocessados. O resultado é que hoje vivemos uma pandemia de doenças não transmissíveis relacionadas aos padrões alimentares adotados em muitas sociedades industrializadas.

Segundo o critério das informações nutricionais, os produtos ultraprocessados podem muitas vezes parecer interessantes. Por meio de aditivos químicos colocados nas composições, a indústria define as quantidades de nutrientes que vão aparecer nas embalagens, levando o consumidor a achar que está diante de um produto saudável.

Há pouco mais de dez anos, um grupo de pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo tem chamado a atenção para um outro fator que precisa ser levado em conta na hora de escolher os alimentos: o nível de processamento. Surge assim a classificação NOVA.

Essa classificação permite distinguir entre um alimento natural, preparado com ingredientes frescos e técnicas simples, e um produto comestível criado a partir de matérias primas industriais e aditivos químicos, ainda que este alegue ser saudável e apresente uma tabela nutricional que parece adequada do ponto de vista quantitativo.

Foto: Tânia Rêgo – EBC / Fotos Públicas

A proposta foi publicada pela primeira vez em 2009, em um artigo na revista científica Public Health Nutrition. Esse modelo inicial recebeu aperfeiçoamentos e ficou consolidado com quatro categorias, sendo amplamente adotado hoje como referência em publicações e orientações relacionadas à alimentação saudável. Apresentamos a seguir as descrições e exemplos dos quatro grupos de alimentos da classificação NOVA.

1 – Alimentos in natura ou minimamente processados

No primeiro grupo da NOVA estão as partes comestíveis de plantas, animais, fungos, algas e também a água. Como o nome diz, esta categoria tolera técnicas simples de processamento, como fervura, pasteurização, secagem, congelamento, torrefação, trituração, moagem, embalagem a vácuo, fermentação não alcoólica. Estes processos não adicionam sal, açúcar e gorduras aos alimentos, tendo a simples finalidade de facilitar ou diversificar o preparo, melhorar a estocagem ou estender a durabilidade dos produtos.

Exemplos de produtos do grupo 1: frutas, verduras, legumes, raízes frescas, ervas e especiarias; grãos como arroz, feijão, lentilha e milho; cogumelos, carnes, aves, peixes e frutos do mar; ovos e leite; farinha, sêmola ou flocos de trigo, milho, aveia ou mandioca; sementes oleaginosas (sem adição de sal ou açúcar); iogurte natural (sem adição de açúcar ou adoçantes); chá e café.

Esta categoria tolera também alguns aditivos, usados para preservar as propriedades originais dos alimentos (antioxidantes em legumes embalados a vácuo) ou repor nutrientes perdidos durante o processamento mínimo (ácido fólico em farinhas).

2 – Ingredientes culinários processados

Em um segundo grupo da classificação NOVA ficam produtos obtidos da natureza ou extraídos diretamente de alimentos in natura por processos como refino, prensagem, trituração, moagem e secagem por pulverização. São produtos usados nas preparações culinárias e raramente são consumidos sozinhos.

Alguns exemplos: sal, açúcar, mel, melaço, amidos, óleos vegetais, azeite, vinagre, manteiga, banha. Estes produtos podem conter aditivos como antioxidantes, anti-umectantes e conservantes, de forma a preservar suas propriedades originais e evitar a proliferação de microorganismos.

3 – Alimentos processados

Neste terceiro grupo estão os alimentos obtidos pela adição de substâncias do grupo 2 aos alimentos do grupo 1. Os processos aqui incluem diversos métodos de cozimento, embalagem, preservação e fermentação, com a finalidade de modificar as qualidades sensoriais dos alimentos e aumentar sua durabilidade.

No grupo 3 estão nozes e sementes salgadas ou açucaradas; queijos e pães frescos não embalados industrialmente; frutas em calda e geleias; carnes salgadas, curadas ou defumadas; peixes enlatados; legumes enlatados ou engarrafados. Entre as bebidas, inclui aquelas produzidas pela fermentação de alimentos do grupo 1, como vinho, cerveja e cidra.

4 – Alimentos ultraprocessados

E no quarto grupo estão produtos preparados a partir de vários ingredientes, muitos deles de uso exclusivamente industrial, sendo que poucos ou mesmo nenhum de seus componentes são alimentos do grupo 1. Alguns ingredientes são extraídos diretamente de alimentos, como lactose, soro de leite, glúten e caseína. Outros são obtidos a partir de um processamento posterior de constituintes de alimentos: óleos hidrogenados, xarope de milho rico em frutose, proteínas hidrolisadas, proteína isolada de soja, maltodextrina, açúcar invertido.

Produtos deste grupo usam aditivos que buscam imitar as qualidades sensoriais (sabor, cheiro, cor, etc.) de alimentos do grupo 1 ou têm a finalidade de disfarçar certas qualidades sensoriais indesejáveis dessas formulações, resultando em algo que as pessoas consigam consumir. Exemplos de aditivos encontrados apenas em ultraprocessados: pigmentos e corantes, estabilizadores de cor, aromatizantes, realçadores de sabor, adoçantes químicos, emulsificantes, sequestrantes, umectantes, espessantes, antiaglomerantes, agentes antiespuma. A fabricação dos produtos do grupo 4 envolve diversas técnicas de processamento, algumas delas sem equivalentes caseiros e possíveis apenas com equipamentos industriais.

Ultraprocessados estão disponíveis trivialmente nos mercados. A lista é grande: pães industrializados; bolachas ou salgadinhos “de pacote”; cereais matinais; chocolates e sorvetes; barras e bebidas energéticas; margarinas e pastas para passar no pão; salsichas, hambúrgueres e outros produtos de carne reconstituída; nuggets de aves e peixes; extratos de carne e frango; sopas e massas instantâneas; refeições prontas para aquecer; produtos “para emagrecimento”, como certos preparados em pó oferecidos como substitutos de refeições; leites de transição, fórmulas infantis e outros produtos para bebês; bebidas carbonatadas; bebidas ou iogurtes com sabor de fruta; achocolatados e bebidas lácteas ou a base de soja; misturas para bolo.

Estes alimentos apresentam algumas características marcantes: têm sabor acentuado, de forma a aumentar o prazer da degustação; suas embalagens são elaboradas para chamar a atenção do consumidor e favorecer a compra por impulso, sobretudo quando está com fome; são apoiados por campanhas publicitárias agressivas, que influenciam as decisões de compra atuando por fora do campo racional. Além de tudo isso, é preciso também lembrar que muitos desses fabricantes pertencem a corporações transnacionais, que obtêm lucros enormes com sua produção e comercialização.

Por suas características, os produtos desta categoria induzem hábitos de alimentação bem pouco saudáveis, como ficar beliscando entre as refeições ou mesmo substituí-las inteiramente. Nas condições da vida urbana de nosso tempo, esses comestíveis acabam parecendo opções interessantes, pois as pessoas podem consumi-los enquanto trabalham, se locomovem ou assistem alguma coisa, seja em telas grandes ou pequenas. Comer passa a ser um gesto mecânico, meramente funcional, muitas vezes em resposta automática a estímulos externos, como um anúncio ou alguém comendo perto. Com isso, além de serem pouco nutritivos e fazerem mal, esses produtos criam ou reforçam o hábito de comer solitariamente. O caráter de sociabilidade do momento das refeições, componente importante da saúde mental das pessoas, acaba completamente abandonado.

A partir das definições propostas pela classificação NOVA, o grau de processamento dos alimentos passa a ser uma importante referência na escolha das formas de se nutrir. O Guia Alimentar para a População Brasileira orienta que se dê preferência a alimentos in natura, insistindo para que as pessoas evitem ou, se possível, eliminem os produtos ultraprocessados de suas dietas.

Essa classificação permite também observar padrões de alimentação em populações, usando critérios qualitativos. Exemplo disso é o Atlas das situações alimentares no Brasil, que mostra, ao longo dos últimos anos, uma preocupante diminuição dos alimentos in natura e o aumento dos ultraprocessados no consumo das famílias.

A classificação NOVA tem servido como base para diversos estudos científicos no Brasil e em países como Chile, Canadá, EUA, Reino Unido, Nova Zelândia e Suécia, correlacionando o consumo de ultraprocessados ao aumento de diversas doenças não transmissíveis. O mesmo grupo de cientistas que propôs a NOVA lançou recentemente no Brasil um estudo que compila grande quantidade de pesquisas acadêmicas demonstrando os males que os ultraprocessados causam à saúde humana e ao meio ambiente.

Quando avaliamos os alimentos conforme seu grau de processamento, fica mais fácil distinguir entre comida de verdade e esses comestíveis que a indústria nos oferece, produtos que muitas vezes nem merecem ser chamados de alimentos. Comer esse tipo de produto, seja de forma esporádica ou, muito pior, diariamente, é um hábito artificial, que foi naturalizado por meio de propaganda constante.

Com a percepção voltada ao paladar e ao tipo de sensação corporal que os alimentos trazem, podemos recuperar nossa preferência natural pela comida de verdade. Só ela pode trazer a energia vital que nutre e fortalece nossos corpos. Alimentar-se é, sim, um ato político e, antes disso, é uma prática diária de saúde.