transição para o sonho

A transição de um sistema produtivo dependente do transporte motorizado para um mundo dos sonhos, em que bicicletas transportem alimentos para todos, só pode ser feita de maneira gradativa. Conforme os vários elos dessa rede são substituídos, a rede inteira vai sendo repensada para se compor de distâncias pedaláveis. Em algum momento, passa a ser possível transportar a maioria dos alimentos desde o produtor até o consumidor final sem usar combustíveis fósseis.

Uma mudança como essa vem acontecendo por meio da parceria entre o Bicicarreto e a Ecoz. Parte de sua rede local de produtores na cidade de Osasco é formada pelos Quintais Solidários: amigos e parceiros que têm algum alimento crescendo de sobra em seus quintais e doam à Ecoz para que sejam oferecidos de presente nas cestas.

Maços de ora pro nobis ou ramos de louro, mesmo em quantidade suficiente para mais de sessenta cestas, podem ser transportados em apenas uma viagem, feita por uma única bicicleta.

Mais de sessenta famílias receberam maços de louro daquele pé. Foto: Zeck

A ideia do Quintal Solidário é tão inspiradora que faz até pensar numa rede de vizinhos em que cada um tenha uma fruta ou verdura crescendo em abundância no quintal e, por meio de trocas não monetizadas, distribuam esses produtos entre si, ou seja, todos tenham de tudo! Tão pertinho que talvez nem precise de bicicletas.

A cultura da sociedade de consumo, com toda sua pressa, distâncias desnecessárias e narrativas para produzir desconfiança entre as pessoas, insiste em nos fazer acreditar que isso é apenas sonho.

Sim, é esse o nosso sonho, e sem o apenas. Criando conexões pedaláveis e implementando aos poucos o conceito de Bicicarreto seguimos, em pequenos passos, na direção dessa utopia.

Bicicarreto #04

Toda reflexão sobre as possibilidades de desenvolvimento do Bicicarreto é construída a partir da prática, em movimento. De fato, o pedalar na estrada é propício para arejar o pensamento ao mesmo tempo em que nos empoderamos quanto aos caminhos para transformar ideias em ações concretas.

Foto: Adriana Marmo.

Para que as ações de ativismo sejam sustentáveis como uma prática periódica, precisamos reconhecer que toda ação tem um valor expressivo, além naturalmente de seu valor instrumental. Os efeitos recompensadores de uma ação vêm não apenas dos resultados práticos que ela produz mas também de sua própria execução. Sentindo-se bem durante o processo, a pessoa vai querer fazer de novo.

Foto: Arnaldo Machado.

Nesse aspecto, o Bicicarreto tem sido sempre uma experiência incrível para todos os participantes. Envolve bicicleta, estrada, terra produtiva, amigos, jardins, histórias, hortas, mato e sol. Que mais precisa?

Foto: Dionizio Bueno.

Levar as provocações do Bicicarreto ao ambiente escolar foi o propósito que deu origem a esta ação #04. Neste ano, a Mostra Cultural da escola municipal Théo Dutra, na Brasilândia, iria contar com uma pequena feira agroecológica, articulada pela professora Fernanda Rodrigues. O Bicicarreto entrou na parceria para fazer o transporte de parte desses alimentos.

Foto: Fernanda Rodrigues.

Ver um grupo de bicicletas chegando diretamente da roça, trazendo produtos orgânicos recém colhidos, é um ponto de partida bastante inspirador para muitas reflexões. A escola precisa assumir um papel protagonista na formação de cidadãos críticos e não de consumidores passivos.

Foto: Fernanda Rodrigues.

Temas como produção e distribuição de alimentos, segurança alimentar, reforma agrária, alimentação saudável e agricultura urbana precisam ser regularmente abordados em sala de aula, pois dizem respeito à saúde e à vida de todos nós.

Foto: Ana Fediczko.

Com a prática, vamos acumulando aprendizados sobre as possibilidades das ações de ativismo do Bicicarreto. Trata-se simplesmente de pegar a estrada, chegar cedo a um sítio produtivo na área rural, encontrar pessoas queridas, conversar sobre novas articulações que reforcem nossa luta. Pedalar é (quase) sempre um ato cheio de sentidos políticos.

Bicicarreto #03

Domingo de sol e céu azul, perfeito para dar um pulinho na roça, sentir cheiro de terra e abastecer a casa. Caixas agrícolas montadas no bagageiro das bicicletas, fomos para a estrada, rumo à Comuna da Terra Irmã Alberta.

Aqui passa o trópico e passam também bicicletas que transportam alimentos. Foto: Dionizio Bueno.

Comuna cheia de visitantes, diversas atividades, cursos e ações acontecendo ao mesmo tempo por lá. Entre elas, uma vivência em que os participantes aplicam a agroecologia conforme é praticada nos assentamentos do MST.

Na casa da Nice, um cafezinho acompanhou uma rica conversa. Foto: Dionizio Bueno.

Desta vez, nossa ideia era passar o dia na Comuna, sem teto de horário para estar de volta e entregar a encomenda. Logo que chegamos, fomos conhecer o jardim e a horta da Jô, que planta de tudo. Ouvimos suas histórias passeando entre aqueles canteiros cheios de verduras.

A disposição dos canteiros evita encharcamento e perdas na época das chuvas. Foto: Dionizio Bueno.

Quantos tons de verde! Tanta saúde naquelas verduras, totalmente livres de pesticidas, herbicidas ou fertilizantes químicos.

As folhas do repolho também são comestíveis. Como desprezar tamanha abundância? Foto: Adriana Marmo.

Depois do almoço e de muita prosa, organizamos nossa lista de produtos, que até aquele momento ainda estavam na terra. Com exceção da mandioca, tudo que trouxemos foi colhido ali na hora: abacate, rúcula, agrião, alface, mostarda, espinafre, couve.

Um rápido banho nas raízes para tirar o excesso de terra. Foto: Dionizio Bueno.

Da horta diretamente para as bicicletas. Desta vez a viagem de volta foi à noite, com a temperatura bem agradável. Mesmo assim, é bom borrifar as verduras de vez em quando para que continuem viçosas.

Tudo pronto para pegar a estrada. Foto: Dionizio Bueno.

A cultura do consumo transforma alimentos em mercadorias. Nos assentamentos e nas pequenas propriedades, a agricultura familiar trabalha diariamente na resistência, garantindo a disponibilidade de alimentos saudáveis para quem quiser. Transportando um pouco por vez, seguimos na estrada mostrando que tudo isso está ao nosso alcance, sem depender de combustível e veículos caros e altamente poluidores.

veja como foi o Bicicarreto #01

Nossa primeira ação, em julho de 2018, foi documentada do começo ao fim por George Queiroz, um dos ciclistas participantes. O resultado é este vídeo, que está aqui para ser assistido e compartilhado.

Clique na imagem para ver o vídeo.

Na alegria do momento da chegada, a mensagem mais importante que queremos passar: mesmo em uma cidade enorme como esta, o transporte da produção agrícola em bicicletas é possível!

Bicicarreto #02

No último sábado, 3 de novembro, estivemos novamente na Comuna da Terra Irmã Alberta para transportar produtos da agricultura familiar de lá até São Paulo. Tivemos a alegria de acompanhar um pouco do curso de formação em agricultura agroecológica, que estava acontecendo ali desde a véspera.

Foto: Adriana Marmo

Foi possível também conversar um pouco com os participantes do curso, apresentando o Bicicarreto e mostrando as ideias gerais deste projeto, que vem amadurecendo bastante em seus princípios e objetivos.

Foto: Adriana Marmo

Trouxemos banana, cebolinha, alface, alface roxa, chuchu branco e jiló. Mesmo em um grupo reduzido, apenas quatro ciclistas, veio uma boa quantidade de cada um deles.

Foto: Dionizio Bueno

As verduras e temperos vieram em caixas agrícolas abertas para ficarem bem ventiladas. Os itens mais resistentes vieram dentro de mochilas e também em uma caixa de papelão. Durante o trajeto, é fundamental manter úmidas as verduras para preservar sua qualidade e evitar que murchem.

Foto: William Bezerra

Na volta, sem o forte vento contra que pegamos na ida e com o sol já baixando, a viagem foi bem suave tanto para os ciclistas quanto para os produtos. No início da noite, os produtos chegaram ao Armazém do Campo.

Foto: Dionizio Bueno

Nas caixas e prateleiras da loja, uma pequena etiqueta branca agora identifica quais são os alimentos que chegaram desde a roça até ali sem gastar uma única gota de combustível!

nova parceria: Bicicarreto e Urban Farm Ipiranga

O Bicicarreto começa a colher seus frutos!

Celebramos aqui a nossa primeira articulação para que um produtor passe a distribuir de bicicleta a sua produção. A partir desta data, a Urban Farm Ipiranga entrega suas cestas de produtos orgânicos por meio de bicicletas.

Foto: César Moreira

Desde nosso primeiro contato, o responsável pela Urban Farm Ipiranga, César Moreira, já demonstrou interesse em trabalhar dessa forma. Mais duas conversas foram suficientes para organizar todos os detalhes (logística, equipamentos) e está pronto o sistema de Bicicarreto. O ciclista William Bezerra, que está agora colaborando nos cuidados da horta, é também graduando em nutrição, e traz informações preciosas sobre os alimentos das cestas. Antes, as entregas eram feitas de carro, pelo próprio César.

Os clientes regulares da Urban Farm vão continuar recebendo em casa as suas cestas, semanalmente. Só que agora os produtos irão desde a horta, no bairro do Ipiranga, até suas casas sem consumir uma única gota de combustível!

Bicicarreto #01

Havia muita gente nos esperando quando chegamos com o primeiro Bicicarreto.

As frutas e verduras chegaram lindas e perfeitas, trazidas por nós de bicicleta, diretamente do produtor. Saíram da roça a 30 quilômetros daqui, pegaram a rodovia, cruzaram o perímetro urbano desta imensa cidade e agora estão nas prateleiras do mercado. Vieram até aqui trazidas pela força ativa de pessoas.

foto: Dionizio Bueno

Na manhã de ontem, 7 de julho, o Bicicarreto esteve na Comuna da Terra Irmã Alberta, um assentamento do MST localizado na divisa de São Paulo com Cajamar. Lá, fomos recebidos pela Sra. Nice, que nos ofereceu um café quentinho e contou um pouco da situação atual do assentamento, enquanto carregávamos as bicicletas.

foto: Aline Os

A produção a ser transportada já estava toda reunida, nos esperando. Trouxemos aproximadamente 70kg de alimentos: abacate, laranja, alface, rúcula, almeirão, coentro, salsa e cebolinha.

Este primeiro Bicicarreto foi feito em 10 ciclistas. Para o transporte das verduras, usamos caixas agrícolas de plástico e de papelão, presas nos bagageiros das bicicletas. De tempos em tempos, regávamos as verduras para evitar que murchassem por conta do sol e da baixa umidade do ar. Funcionou! Os abacates foram distribuídos em alforjes e mochilas. As laranjas vieram todas dentro da saca, que foi acomodada no compartimento de carga de uma das bicicletas.

foto: Eduardo Magrão

O dia estava ótimo e a viagem foi muito tranquila: céu azul, temperatura amena, sol não tão forte. Na volta, o vento estava ao nosso favor, deixando o pedal num nível de esforço confortável para todos.

foto: Aline Os

Mas a maior alegria foi o momento da chegada ao Armazém do Campo, na tarde do sábado. Estavam todos ansiosos para ver as bicicletas carregadas de alimentos que vieram da roça até a Barra Funda sem consumir uma única gota de gasolina ou diesel.

No lugar de combustíveis poluentes, movimentamos energia humana, gerando alegria e confraternização! Foi uma experiência muito rica para todos nós.

foto: Aline Os

Transportar alimentos em bicicletas é uma ação política que reúne e integra diversos aspectos importantes do nosso ativismo: autonomia por meio da bicicleta, segurança alimentar, apoio à pequena propriedade e à reforma agrária, reapropriação das vias públicas pelos modais ativos, fortalecimento das comunidades de produtores e de ciclistas, contato com a terra.

O Bicicarreto tá na estrada!

nasce o BiciCarreto

A ideia surgiu, naturalmente, durante um pedal.

Ao chegar de bicicleta na Comuna da Terra Irmã Alberta, na divisa de São Paulo com Cajamar, para participar de um evento, pensei: “Como é fácil vir até aqui! Seria um barato voltar com a bicicleta cheia de alimentos cultivados nestas roças.”

Resolvi articular uma ação para mostrar (para quem ainda não tenha percebido) as possibilidades do transporte em bicicleta, apoiar o movimento dos que lutam pela reforma agrária e gerar uma reflexão sobre mobilidade, autonomia, pequena propriedade, proximidade entre produtor e consumidor.

Era mais uma provocação do que qualquer outra coisa. Mas a ideia começou a amadurecer e brotar rapidamente.

Uma ação como essa é um gesto cheio de significados em diversas frentes de militância. É, em primeiro lugar, uma afirmação clara da autonomia gerada pela bicicleta, demonstrando que é possível trazer o alimento desde o sítio onde é produzido até uma cidade irracionalmente grande como São Paulo sem depender de nenhum veículo motorizado. Além disso, é um ato político e prático de apoio à reforma agrária, ajudando um assentamento do MST, localizado na borda da capital e ameaçado pelos mecanismos de expropriação urbana do mercado imobiliário, a escoar sua produção. Também sugere o tema da proximidade entre produtor e consumidor, propondo um questionamento desse modelo de agronegócio em que os alimentos são produzidos a centenas ou milhares de quilômetros de distância e dependem de muito combustível e grandes sistemas de logística para chegar às pessoas. Tudo isso além das velhas bandeiras normalmente associadas ao cicloativismo, como consumo desnecessário de energia, uso de combustíveis fósseis, geração de gases poluentes e material particulado, custos do combustível e manutenção dos veículos.

Comecei a fazer contatos para encontrar as duas pontas a serem conectadas pelo nosso transporte: alguém ligado aos produtores da Comuna Irmã Alberta e um local de comércio que pudesse receber o carregamento. Logo achei essas duas pessoas. Apresentei a ideia, que agradou muito e foi aceita rapidamente. Escolhemos a nossa data: 7 de julho.

A mobilização do grupo de ciclistas não foi diferente. Quase todos os amigos que convidei se comprometeram imediatamente a participar do BiciCarreto.

De todos os lados, a ideia faz muito sentido!

O evento está marcado. Na tarde do sábado que vem, quem estiver no Armazém do Campo vai poder presenciar a chegada do primeiro BiciCarreto. Um grupo de ciclistas virá da Comuna Irmã Alberta trazendo um carregamento de alimentos recém colhidos na roça, sem consumir uma só gota de combustível.

Com a aproximação do evento, a ideia vai se desdobrando em muitas dimensões, e um grande projeto de trabalho está surgindo. Agora acaba de ganhar um domínio. Este portal vai registrar os movimentos do BiciCarreto e ajudar a mostrar que este projeto é muito mais que um grupo de bicicletas com caixas e alforjes cheios de produtos orgânicos.