Irmã Alberta

Durante um encontro na Comuna da Terra Irmã Alberta, no qual aproximadamente 40 ciclistas levaram seu apoio à resistência desse acampamento do MST contra uma ordem de despejo, a agricultora e líder comunitária Maria Alves deu este breve relato sobre a vida e a atuação de Irmã Alberta, freira italiana falecida em 2018 e homenageada de diversas formas ainda em vida. O relato foi complementado posteriormente pela própria agricultora.

Irmã Alberta veio da Itália, da cidade de Veneza, ela veio muito jovem para o Brasil. Assumiu essa luta com o povo da terra e já entrou na Comissão Pastoral da Terra para atuar na região do Araguaia. Lá já tinha o histórico antigo das lutas e dos crimes do latifúndio, assassinatos de Chico Mendes e de outros sindicalistas. Havia um pessoal naquele momento defendendo os seringais, defendendo o sindicato dos seringueiros, Irmã Alberta esteve com eles.

Mas aí um dos padres que estavam junto nessa equipe foi assassinado. Vocês sabem também do assassinato de Irmã Dorothy, tudo na mesma região. Vocês sabem da perseguição a Dom Pedro Casaldáliga, que teve uma atuação muito importante em defesa dos indígenas e também das famílias sem terra contra os jagunços de fazendeiros, contra os crimes do latifúndio. Então, como também estava ameaçada, a Irmã Alberta veio para São Paulo com a missão de ajudar um pouco o pessoal em situação de rua.

Ali na região do Brás, foi criada uma entidade, onde se juntavam os profissionais de saúde, alguns profissionais que iam fazer trabalho voluntário. Se juntavam também pessoas da igreja e o pessoal do Rede Rua, ali junto com o Alderon [Costa]. Eles faziam um trabalho de encaminhamento, triagem, questão de documento para aquelas pessoas, davam alimento. Eles foram ficando em torno dessa entidade, e esse trabalho foi crescendo. Algumas pessoas eram soropositivas, isso estava muito em alta na época, década de 1990, ali por aqueles anos.

Então a Irmã Alberta trabalhou nessas equipes, cuidando do pessoal. Aí quando viram que tinha um contingente bom de pessoas, com condições de trabalhar e gerar sua própria renda, de tirar o seu próprio sustento, eles decidiram chamar o Movimento dos Sem Terra, que veio para dar um auxílio no que se refere a organização, para escolher algumas áreas próximas à grande metrópole e fazer ocupação para essas pessoas trabalharem, gerarem renda e viverem dignamente. A gente encontra Irmã Alberta no final da década de 1990.

O primeiro espaço ocupado, a primeira fazenda foi lá em Franco da Rocha. Lá virou assentamento, é um assentamento do ITESP [(Dom Tomás Balduíno)]. Um ano depois foi feita a ocupação aqui, e a gente está até hoje nessa luta. E teve uma outra ocupação na Grande São Paulo, lá em Cajamar, que é o Dom Pedro Casaldáliga, um assentamento do INCRA. Este acampamento aqui recebeu o nome dela, Comuna da Terra Irmã Alberta. Foi feita essa homenagem a ela porque ela já estava atuando, caminhando junto com o MST em vários estados do Brasil.

Foto: Dionizio Bueno, julho/2023

Mas a Irmã Alberta ajudou não só as pessoas do Movimento dos Sem Terra, do movimento rural, dos movimentos sociais rurais. Ela também ajudou muita gente, ela foi da Pastoral Carcerária, ela foi dos Direitos Humanos, ela era uma freira militante. Andava de hábito, e tudo mais. Estava na igreja, mas quando alguém dizia assim, “Precisa da senhora, Irmã Alberta, para mediar um conflito, para ajudar as famílias, para ajudar num momento tenso de despejo, numa negociação na Secretaria de Justiça, no Gabinete”, ela ia. Esses parlamentares respeitavam muito ela. Ela fazia uma fala segura, era uma mulher que tinha conhecimento das coisas.

A Irmã Alberta foi homenageada porque a gente achou justo. Ela era da tua altura [aponta para uma moça de baixa estatura que escuta o relato]. Ela até dizia assim: “Mas eu não morrri ainda!” [pronuncia um ‘R’ forte, imitando sotaque italiano, provocando risos]. Foi homenageada em vida mesmo. Ela morreu com 97 anos. Deixou um legado e um exemplo que a gente não pode esquecer.

Então eu estou trazendo aqui só um pouquinho da história de Irmã Alberta. Ela era uma ameaça. Mesmo daquele tamanhozinho, ela ficava entre aqueles policiais enormes assim. Aí, quando as famílias precisavam de uma palavra, ela dizia, “Deixa eu conversar com o meu pessoal”. Porque a polícia fecha os portões e não deixa ninguém entrar. Mas ela, eles liberavam. Então a Irmã Alberta, ao mesmo tempo que ela era a delicadeza em pessoa, o amor em pessoa, ela era uma ameaça. Gente, as pessoas às vezes viram ameaça mesmo, né?

Ela caminhou muito junto do nosso lado, fazendo a sua tarefa, cumprindo a sua missão de freira que está numa pastoral como a Pastoral da Terra. Em todos os momentos que a Comuna da Terra Irmã Alberta precisou se mobilizar, se manifestar, Irmã Alberta estava junto conosco. Ela era de visitar as famílias, era de conversar com as famílias, era de estar sempre trazendo a mensagem. A gente precisa nunca esquecer dessa força, desse legado, desse exemplo de mulher religiosa, porém com posições políticas muito acertadas, nos momentos certos, naquilo que a gente precisava. A gente tem aqui uma satisfação imensa de ter tido ela caminhando com a gente.

No momento em que ela já estava bastante debilitada, com a saúde precária, ela teve todo o apoio, todo o conforto, toda a assistência que a gente podia dar, e que demos. Ela morreu com 97 anos, de uma vida inteira de muito trabalho, de muita resistência também. Viveu longe dos seus familiares, longe do seu país.

E eu sempre digo: vida merecida, de 97 anos. Ela viveu para servir! Ela esteve aqui para nos ajudar. E ela vai continuar influenciando sempre na nossa luta, abençoando sempre a nossa luta.

(Relato registrado em 16 de setembro de 2023, com informações complementares da própria autora.)


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